É preciso ter mais cuidado no tratamento das relações internacionais. Elas são muito sensíveis. O comércio exterior é dinâmico, não estático, e o improviso é inimigo das políticas estratégicas para os principais parceiros comerciais.
As decisões devem ser racionais e não emocionais.
Não devemos colocar ideologia no contexto das relações diplomáticas e econômicas com os países, como, por exemplo, família e fé cristã e preferências a determinadas nações.
Ao contrário do que se proclamou, a diversificação de nossas exportações beneficiou e muito o Brasil, gerou empregos, renda e fortaleceu a economia, fatores essenciais para as famílias e a população em geral.
Na recente viagem a Israel, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a abertura de um escritório comercial em Jerusalém, ao invés da mudança da embaixada em Tel Aviv, como havia prometido na campanha eleitoral ao público evangélico, mas manteve a promessa de transferir a representação diplomática até o final de seu mandato.
O Brasil sempre se pautou por uma posição equilibrada no conflito palestino-israelense, em concordância com os preceitos estabelecidos pela Organização das Nações Unidas, desde a fundação do Estado de Israel, em 1947, com o voto do embaixador Osvaldo Aranha.
O Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) firmou com Israel seu primeiro acordo de livre comércio com um país de fora do bloco – promulgado no Brasil pelo Decreto 7.159, de 27 de abril de 2010 -, enquanto que o acordo de livre comércio com a Palestina, apesar de ter sido assinado em dezembro de 2011, ainda não foi ratificado pelos parlamentos dos países do bloco sul-americano.
A única nação árabe que tem um tratado do gênero em vigor com o Mercosul é o Egito, desde setembro de 2018. Existem negociações comerciais em andamento com a Jordânia, Marrocos, Líbano e Tunísia. Foram iniciadas também tratativas com o Conselho de Cooperação do Golfo (Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Omã, Bahrein e Catar), mas as conversas estão paralisadas desde 2009 em função do protecionismo das indústrias petroquímicas brasileira e argentina, que são sensíveis à competitividade dos países árabes do Golfo.
As relações econômicas entre o Brasil e os países árabes começaram há mais de 40 anos, quando foi feita a primeira exportação de frango pelo consórcio denominado UNEF – União de Exportadores de Frangos, formado pelos principais produtores brasileiros de aves da época.
Ao longo deste período, foram realizadas diversas missões oficiais e empresariais do Brasil aos países árabes para promover produtos e serviços e atrair investimentos.
Os empresários e o governo brasileiros não deixaram de visitar Israel também, mas sempre com o cuidado de dar atenção aos palestinos, com visitas às autoridades dos territórios ocupados, sem dar preferência a um dos lados.
As exportações brasileiras aos países árabes somaram US$ 1,5 bilhão no ano 2000. Em 2018, chegaram a US$ 11,5 bilhões, quase oito vezes mais.
A importância dos países árabes para o Brasil é significativa, principalmente para o agronegócio. O setor responde por 70% dos embarques para a região. Das carnes exportadas para o mundo, 30% vão para o mercado árabe. No caso do frango, a participação chega a 45%. Além disso, 25% das vendas de açúcar vão para lá, e 7% dos cereais. Os árabes compram ainda 15% do minério de ferro brasileiro.
Neste cenário, o Brasil se tornou o principal fornecedor de alimentos “halal” para os países árabes e islâmicos. Trata-se de procedimento sanitário e islâmico no qual os animais abatidos não podem sofrer. Os frigoríficos são certificados por religiosos muçulmanos e supervisionados por entidades das nações importadoras.
Destaque-se ainda para o grande potencial de investimentos no Brasil dos fundos soberanos e privados árabes, em função dos volumes de recursos disponíveis. Estas instituições respondem por mais de 50% do volume de recursos de fundos soberanos no mundo.
Já há investimentos árabes de porte no Brasil, no setor portuário, na agricultura e na pecuária, no transporte aéreo, no ramo imobiliário, na indústria de plásticos, em bancos e outras atividades.
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Não devemos desprezar o grande potencial de investimentos árabes em áreas prioritárias para os brasileiros, como a infraestrutura (ferrovias, rodovias, portos e armazenagem). A aplicação de recursos no agronegócio e em transporte e logística pode garantir a segurança alimentar destes países, onde a produção de alimentos é escassa.
Como consequência negativa desse imbróglio preferencial causado pelo governo brasileiro, os países árabes podem não certificar novas plantas frigoríficas para o abate “halal”, não renovar a certificação dos atuais fornecedores de carnes, e até encontrar no médio prazo novos fornecedores de carnes bovina e de frango, cereais e açúcar, tais como Índia, Argentina, Uruguai, Paraguai, Malásia, Tailândia, Indonésia, Austrália, Ucrânia, Turquia e outros concorrentes internacionais, inclusive Estados unidos e países da União Europeia, ávidos por desbancar o Brasil nesta importante região do mundo.
Além dos países árabes, vale lembrar que exportamos para países islâmicos, que formam um universo ainda maior, e sempre há o perigo de retaliações em função de uma decisão mal avaliada.
Para Israel, o Brasil exportou em 2018 o equivalente a US$ 321 milhões, pauta composta por carnes, madeiras, cereais, produtos vegetais e máquinas em geral.
Há necessidade de dialogar diplomaticamente com os árabes. É importante estimular o governo brasileiro a organizar visitas a esses países, com comitivas de empresários principalmente do setor agropecuário, e tentar modificar a impressão de que trocaremos quase US$ 12 bilhões em negócios – com potencial para chegar a US$ 20 bilhões até 2022 – por uma medida emocional e irracional das autoridades brasileiras, apoiada pelo setor evangélico.
Os concorrentes mundiais estão presentes, ansiosos para deslocar países como o Brasil destes importantes mercados consumidores que são os países árabes. Não podemos dar-lhes esta chance!