Somente os eleitores norte-americanos votam em suas eleições presidenciais, obviamente. Mas o resto do mundo, inclusive o Brasil, acompanha a disputa com grande interesse, chegando até a torcer abertamente pelos partidos e candidatos de sua preferência, como se fossem as eleições de seus próprios países.
A ascensão de países que podem rivalizar com os Estados Unidos nos campos econômico, militar e político, como parece ser o caso da China, foi o estopim para que se levantasse a hipótese de que o fim do período dos Estados Unidos como maior potência global poderia estar se iniciando.
Essa análise parece conter um certo viés ideológico, que influencia muito a maneira que os Estados Unidos são vistos em outros países, inclusive no Brasil. Na falta de definição melhor, trata-se de uma relação com sentimentos conflitantes. Se por um lado há críticas a posturas assumidas pelo país em questões diversas, pelo outro existe uma admiração em diversos aspectos, mesmo que não assumida.
O surgimento de rivais a altura dos Estados Unidos não significa, a princípio, que estes tenham entrado em decadência, mas sim que no cenário da geopolítica mundial há mais um gigante, um peso-pesadíssimo. E que para manter uma posição relativa de superpotência, o país não pode se manter em “velocidade de cruzeiro”, terá de pisar no acelerador e usar seus recursos.
E os Estados Unidos dispõem de muitos recursos.
Porque as eleições americanas chamam a atenção do mundo
Os Estados Unidos são a maior potência econômica do planeta desde o início do século XX, aproximadamente, o que possibilitou que tenham se tornado, desde então, também a maior potência científica e militar.
Então, a cada vez que ocorrem eleições nos Estados Unidos, existe a possibilidade de haver mudanças na maneira que o país atuará nos campos econômico, militar, diplomático e até científico. E isso pode afetar diretamente os interesses de países e setores da economia.
Então, é natural que muita gente, no mundo inteiro, acompanhe atentamente as eleições americanas.
Os Estados Unidos são a maior potência cultural do mundo
Entretanto, o interesse pela política interna norte-americana vai bem além de uma análise de possíveis cenários políticos ou econômicos por parte de elites intelectuais ou econômicas ao redor do mundo. Apesar de os Estados Unidos terem rivais econômicos e militares, como a China e a Rússia, eles estão à frente de qualquer rival no papel de maior potência cultural do mundo.
Não há dúvidas de que outros países têm peso considerável no mundo científico e acadêmico, bem como produções relevantes nas artes, literatura, música e audiovisual. Mas seria uma tolice negar que os produtos culturais que conseguem ter um alcance global são em sua maioria americanos, ou adaptados ao gosto e ao padrão estético dos consumidores daquele país.
Mas a influência não está restrita à cultura popular, como muitos afirmam. Boa parte das tendências de pensamento contemporâneas nasceu dentro das principais universidades norte-americanas, ou ganhou força para se espalhar por outros lugares do mundo quando foram aceitas e assimiladas pelos círculos intelectuais dessas universidades.
Tanto o pensamento que nasce nas universidades dos Estados Unidos, como os hábitos de consumo da classe média americana são levados a bilhões de pessoas em todos os lugares do mundo por uma indústria cultural vibrante, cujas dimensões não têm paralelo no mundo.
O conteúdo de empresas como Disney, Warner e mais recentemente, Netflix, entre outras, influenciam pensamentos, gostos e comportamentos, inclusive, e principalmente, de consumo, em diversos países do mundo, inclusive o Brasil, mesmo que com adaptações e regionalizações.
Essa influência cultural é uma, talvez a principal, razão pela qual políticos americanos de destaque, como o atual presidente e candidato à reeleição, Donald Trump, e seu antecessor em dois mandatos, Barack Obama, tenham fã clubes, e detratores, em muitas partes do mundo.
Mas, independentemente da simpatia, ou antipatia pelo estilo de cada candidato, é importante analisar as possíveis consequências positivas, e negativas, da eventual reeleição do Republicano Donald Trump ou da vitória do candidato de oposição, o Democrata Joseph (Joe) Biden, que foi vice-presidente de Barack Obama.
Se Trump vencer
A agenda do atual presidente, Donald Trump, tem pontos positivos como impostos menores para as empresas, menos regulamentação governamental e projetos de infraestrutura. Mas por outro lado, ele já mostrou pouco compromisso com a preservação do meio-ambiente e uma postura unilateralista nas questões de política internacional.
Esse desprezo pelo multilateralismo pode indicar a falência dos tratados comerciais internacionais e que, pelo menos por enquanto, não haverá a reforma de mecanismos importantes de cooperação e resolução de disputas internacionais, como a OMC e a OMS, além da continuidade de um relacionamento difícil entre EUA e China.
Organismos como a OMC, a OMS e a própria ONU são, sem dúvida, passíveis de erros e sujeitos a críticas, muitas vezes justas. Mas ao se esvaziar esses organismos, perde-se o único fórum com credibilidade e autoridade par mediar e eventualmente arbitrar disputas diversas entre países.
Se Biden vencer
Os aspectos positivos de uma eventual vitória de Joe Biden seriam políticas de redução da desigualdade de renda, promoção de energia limpa, reintegração ao acordo de clima de Paris, investimentos em infraestrutura, e possivelmente uma maior previsibilidade em relação à política comercial.
Do ponto de vista da diplomacia, pode-se esperar um revigoramento dos organismos multilaterais como a OMC e uma diplomacia menos tempestuosa com a China. Mas se engana quem espera um abandono da hegemonia americana no mundo. No máximo, poderemos ver esforços mais sutis para preservar essa posição, como por exemplo, um acerto com a China para ela comprar mais produtos agrícolas norte-americanos, que poderá trazer riscos ao Brasil, hoje o principal parceiro comercial.
Os aspectos negativos de uma eventual vitória de Biden seriam o aumento dos impostos corporativos e mais regulação governamental nos negócios, que costumam frear o crescimento da economia americana, que é uma das locomotivas do mundo.
Para o Brasil, mesmo que um eventual acerto comercial com a China possa ter seu lado negativo, já que as economias chinesa e brasileira são complementares, enquanto Brasil e Estados Unidos são concorrentes em vários setores, como o agronegócio, uma relação política e comercial mais previsível entre americanos e chineses ajudaria a estabilizar ou até depreciar o valor do dólar, o que seria favorável para o Brasil.