Investindo na crise

Fundos de investimento dos países árabes vão às compras na crise do coronavírus

 

A pandemia do coronavírus causou prejuízos no mundo inteiro, e consequentemente, a desvalorização das ações das empresas negociadas em bolsas de valores. Esse é o momento em que os grandes investidores vão às compras, geralmente buscando empresas e mercados que eles acreditam que recuperarão sua lucratividade e valor quando a crise terminar e retomarem suas atividades normais.

Esse é o caso dos fundos soberanos dos países árabes, que estão aproveitando os preços baixos para ir às compras, aumentando sua participação em empresas dos quais já detinham ações e também fazendo negócios de ocasião nas mais variadas áreas como petróleo, turismo, medicina, tecnologia, logística e até mesmo esporte e entretenimento.

Como os fundos soberanos investem na crise do coronavírus

Dizer que crise é outra palavra para oportunidade, ou que ambas são dois lados da mesma moeda é um chavão repetido com frequência, inclusive por investidores. O mais apropriado, entretanto, seria dizer que a crise de um é a oportunidade de outro, mais bem preparado para o momento.

O conceito ainda é válido, mas como a situação atual é diferente de todas as turbulências econômicas anteriores, ele deve ser aplicado com ressalvas para entender a estratégia de aquisição dos fundos de investimento soberanos dos países do Golfo Arábico durante a crise do coronavirus.

Em crises econômicas anteriores, sempre havia países extremamente afetados, que se tornavam cenários de oportunidades para investidores capitalizados, de países em um contexto mais favorável, adquirissem uma parte, ou até mesmo o controle acionário, de empresas com potencial de lucro, mas cujas ações estavam em um momento de baixa.

Esse foi o caso em 2008, quando a chamada Crise do Subprime foi o estopim para o início de uma profunda recessão nos Estados Unidos, que criou oportunidades para que investidores de outros países, como os brasileiros Jorge Paulo LemannMarcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, da 3G Capital, adquirissem o controle acionário de marcas icônicas como o Burger King e o Ketchup Heinz.

Quando o Brasil entrou em crise, a partir de 2014, setores que antes haviam experimentado uma forte valorização, como o mercado imobiliário, se tornaram um celeiro de oportunidades para investidores estrangeiros. Esse foi o caso do Fundo Brookfield, do Canadá, que entre 2013 e 2018, aportou mais de 27 bilhões de reais em investimentos no Brasil, inclusive em imóveis comerciais.

Porque a crise do coronavírus é diferente.

A crise atual é diferente porque a pandemia atingiu praticamente todos os países do mundo, quase ao mesmo tempo, fazendo com que mesmo os grandes fundos de investimento, mais capitalizados, sejam mais cuidadosos com seus investimentos. No caso dos fundos soberanos dos países árabes, a indústria do petróleo, que é sua grande fonte de recursos, foi severamente afetada, como nunca se viu antes.

Outro ponto é que essa crise terá um timing diferente das anteriores, descritas na teoria dos ciclos econômicos de John Maynard Keynes. A retomada, que levará ao lucro que os investidores esperam, dependerá do timing do vírus. De a ciência desenvolver uma droga eficiente para tratar a doença, descobrir uma vacina contra a Covid-19 e, assim que isso acontecer, de se imunizar populações inteiras em vários países.

Enquanto isso não acontecer, todos terão de se acostumar a um novo normal, que influenciará a maneira como as empresas organizam sua produção, logística, estratégias de marketing e vendas.

Então, por causa de tantos fatores de incerteza, os gestores dos fundos soberanos têm trabalhado com os bancos de investimento à procura de empresas com valores subestimados, para minimizar o tamanho dos investimentos, e consequentemente, os seus riscos.

Vamos analisar os movimentos de alguns dos principais.

 

Public Investment Fund – Arábia Saudita

O Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita , ligado ao SAMA, foi às compras de maneira agressiva, aumentando a participação, ou até adquirindo o controle, de empresas de setores tradicionais, cujo valor despencou por seus negócios dependerem diretamente de aglomeração ou movimentação de pessoas. As empresas são as seguintes:

Petrolíferas

Repsol

Royal Dutch Shell

Equinor

Eni

Turismo, esportes e entretenimento

O turismo, os esportes, os shows e eventos estão entre os setores que mais sofreram com a crise do coronavírus, porque criar aglomerações está na alma e no propósito desses negócios. Foram cancelados ou adiados os principais eventos esportivos do mundo, como todos os torneios de futebol, os Jogos Olímpicos de Tóquio, as turnês dos principais artistas e praticamente todas as viagens de lazer.

Nesse cenário, o Public Investment Fund saudita fez as seguintes aquisições:

Carnival Cruises – Maior operadora de cruzeiros marítimos do mundo. O valor das ações da gigante do turismo caíram mais de 80%. Aproveitando a oportunidade, o Fundo Público Saudita adquiriu 8,2% das ações.

Newcastle United Football Club– Clube da primeira divisão do futebol inglês. O fundo saudita pagou US$ 413 milhões, ou 343 milhões de Euros por 80% das ações, o que torna o PIF sócio majoritário do clube. Segundo a imprensa especializada, o príncipe herdeiro saudita, Mohamed Bin Salman, deverá acompanhar de perto a administração do clube inglês.

Live Nation – o PIF adquiriu entre 5% e 7% das ações da promotora e operadora de eventos que conta em seu portfólio com as turnês de artistas do porte de Madonna, Metallica, U2 e Lady Gaga. Em troca do investimento o fundo saudita investiu Us$ 500 milhões.

 

Por outro lado, o PIF também investiu em empresas cujo valor deve aumentar no mundo pós coronavírus, como assistência médica via telemedicina, tecnologia e logística.

Entretanto, o Public Investment Fund está altamente comprometido, pois além do déficit fiscal, agravado pela queda dos preços do petróleo, investe em uma série de projetos para impulsionar a atividade econômica dentro da própria Arábia Saudita, como o Saudi Vision 2030.

Especialistas avaliam que parte desses projetos pode ser adiada ou suspensa, uma vez que Riad será obrigada a reduzir gastos para manter subsídios diversos e garantir o bem-estar da população afetada pela pandemia.

 

Fundo de Investimento Mubadala – Emirados Árabes Unidos.

O Fundo Mubadala foi mais agressivo, investindo no que acredita serem tendências do futuro, como um peso ainda maior da China na economia global, adquirindo participação, ou aumentando, em empresas daquele país em setores diversos.

Em mercados mais tradicionais, como Estados Unidos e Europa, também investiu em empresas de tecnologia de ponta, como farmacêuticas e medicina.

O Fundo Mubadala começou o ano de 2021 apostando no Brasil, e no setor de refino de petróleo, sendo o vencedor do leilão pela Refinaria Landulpho Alves (Rlam), da Petrobrás, na Bahia. A oferta vencedora do Mubadala foi de US$ 1,65 bilhão de dólares, equivalentes a R$8,87 bilhões em valores da data da aquisição, 8 de fevereiro de 2021

Fundo Soberano do Catar – Qatar Investment Authority

A Autoridade de Investimentos do Qatar, que conta atualmente com recursos de US$320 bilhões, está aumentando sua participação em investimentos na Ásia e América do Norte, e desde 2019 montou uma equipe especializada em participações diretas em empresas de mercados emergentes como a América Latina, África e Ásia.

Fundo de Investimento de Abu Dhabi, EAU – Abu Dhabi Investment Authority (ADIA)

O ADIA, maior fundo de investimentos de Abu Dhabi, com ativos entre US$ 700 a 800 bilhões, em valores atualizados, ainda não se movimentou. Está aguardando os pedidos dos dirigentes dos Emirados Árabes Unidos para suprir as necessidades governamentais, tais como garantir a liquidez a emirados menos ricos.

Entretanto, espera-se que o fundo soberano dos Emirados Árabes ainda faça investimentos, e a razão de não ter feito ainda é estar buscando ativos com preços desvalorizados pelo mundo.

Quais as chances de o Brasil atrair investimentos desses fundos soberanos

Fundos como o Mubadala e o Qatar Investment Authority já tem atuação no nosso país, mas como destino de investimentos, o Brasil envia sinais dúbios.

Por um lado, o Brasil é um país de mais de 200 milhões de habitantes, uma das 10 maiores economias do mundo e muito a se desenvolver, nos mais diversos setores, o que por si só deveria ser uma isca irresistível para os fundos de investimento. Além desse fator, que podemos considerar uma constante, o momento atual é extremamente propício aos investidores capitalizados, pois a cotação Real x Dólar torna o Brasil um investimento barato.

Entretanto, existem os fatores de incerteza que afastam os investidores do Brasil que também são constantes nessa equação, como a insegurança jurídica. A essa falta de um arcabouço legal mais sólido de proteção ao investimento estrangeiro, se soma o fator circunstancial da instabilidade política. Tão importante quanto ter regras claras e amigáveis aos investidores, é preciso ter certeza de que essas regras são constantes e invioláveis.

Como atrair os investimentos dos fundos soberanos.

Muitos fundos de investimento ainda têm uma percepção de risco muito alta em relação ao Brasil, especialmente quando comparado a mercados mais tradicionais, como os países da Europa e América do Norte, ou mesmo o Chile. Falando um português mais claro, esses investidores ainda enxergam no Brasil uma “arapuca”, um destino exótico, onde a possibilidade de lucro depende de um conhecimento sobre leis, práticas e costumes locais que são incompreensíveis para quem é de fora.

Essa percepção é bastante exagerada, pois existem cases de sucesso. O já citado Fundo Brookfield atua no Brasil desde 1899,  tendo sido o responsável pelos primeiros projetos de iluminação pública e transporte coletivo elétricos no país, os famosos bondes. Ha menos tempo no Brasil, mas bastante agressivo em seus investimentos, o Qatar Investment Authority atua nas áreas de transporte aéreo, bancos, agricultura, petróleo, gás, editorial e educativo.

Como o Estado brasileiro pode ajudar a atrair os fundos de investimento

Ao Estado brasileiro cabe garantir a segurança jurídica dos contratos, para que qualquer investimento, estrangeiro ou brasileiro, seja protegido, independentemente de quem seja o governante de turno e de suas inclinações políticas, nas esferas municipal, estadual e federal. Episódios como a cassação da concessão da Linha Amarela no Rio de Janeiro, por exemplo, são um grande desestímulo a quem pensa em investir no Brasil.

Além da proteção do investimento contra arroubos populistas, é importante que os contratos permitam o hedge cambial, protegendo o investimento de grandes variações da cotação da moeda brasileira em relação às estrangeiras.

Quais os setores da economia brasileira mais atraentes para os fundos de investimento

A princípio, qualquer empresa que tenha uma boa possibilidade de rentabilidade pode ser atraente para os investidores árabes, mas eles tradicionalmente têm mostrado uma preferência por projetos de agrobusiness, investimento imobiliários na área de hotéis, resorts e shopping centers e participação em joint ventures na exploração de petróleo e gás.

Como as empresas brasileiras podem atrair os fundos de investimento.

Atrair os fundos soberanos dos países árabes como investidores das empresas brasileiras é um trabalho que envolve pelo menos duas etapas. A primeira é uma auditoria adequada e, com base nos resultados, uma atualização e padronização de procedimentos, que a tornam mais apta a receber investimentos.

A segunda etapa é a prospecção e captação de investidores em si, que dependerá de um trabalho profissional e sério de apresentação e convencimento dos investidores de que o Brasil é sim uma grande oportunidade, ainda mais nesse momento.

Oportunidade pode ser, sim, o reverso da moeda da crise. Cabe aos executivos governamentais  e empresários brasileiros não deixar que ela escape.

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