Ngozi Okonjo Iweala, uma economista nigeriana nascida em 1954 e ministra das finanças de seu país em duas oportunidades, 2003 a 2006 e 2011 a 2015 foi escolhida diretora geral da OMC – Organização Mundial do Comércio, tomando posse em março de 2021, com mandato até agosto de 2025.
Formada em Economia do Desenvolvimento pela Universidade de Harvard e tendo feito o doutorado no MIT, a Sra. Okonjo Iweala é uma economista competente e uma política experiente, que terá uma série de desafios complicados pela frente. O primeiro deles será revigorar uma Organização Mundial do Comércio que se encontra paralisada, e reformulá-la para se adequar a novas realidades comerciais, políticas, e até tecnológicas.
Não sabemos ainda o que esperar da nova gestão da OMC, mas sabemos que a entidade precisa de soluções novas. “Business as usual”, porém, sem mais do mesmo. Mas vamos elencar quais serão essas desafios.
Tribunal de apelação da OMC
O órgão de apelação da Organização Mundial do Comércio foi bloqueado pelos Estados Unidos, que impediu a nomeação de novos juízes, tornando essa, que é a única instância de resolução de disputas comerciais entre países, na prática, inoperante. A alegação norte-americana é que as decisões do órgão tem sistematicamente beneficiado a China e prejudicado os Estados Unidos.
É um tema que exigirá criatividade e habilidade política da Sra. Ngozi Okonjo Iweala, visto que se trata das duas maiores potências mundiais, China e Estados Unidos, que já estão em uma disputa acirrada, na qual a OMC é somente mais uma arena.
A reformulação da própria OMC, e de seu tribunal, deve ser ampla, e o sistema de controvérsias deve se ater mais às disputas entre os membros em si, analisada ado em regras claras e definidas, do que na jurisprudência. Há casos que chegam a levar dois anos para serem resolvidos, que deveriam ter um prazo máximo de resolução de 90 dias. Será preciso diminuir a burocracia e ganhar eficiência.
Comércio eletrônico
O comércio eletrônico, atualmente não tem regras específicas. Mas com o e-commerce fazendo cada vez mais parte da vida das pessoas, e não sendo mais uma arena em que somente os gigantes atuam será preciso negociar regras multilaterais, que incluam empreendedores e pequenas e microempresas no comércio global.
Subsídios Agrícolas
Os subsídios agrícolas serão outro tema espinhoso para a nova diretora da OMC, que deverá buscar revê-los e reduzi-los. Mas que encontrará na pandemia um obstáculo que dificultará qualquer avanço a curto prazo, já que os estímulos governamentais serão fundamentais para reativar economias severamente afetadas pela Covid-19.
Acordos comerciais
Desde 1.993, a OMC não executa um acordo multilateral para redução de barreiras tarifárias e não tarifárias, e com a falta desses acordos multilaterais, os países passaram a celebrar acordos bilaterais e plurilaterais. O Brasil, por exemplo, faz parte de vários acordos, como o tradicional Mercosul, juntamente com Argentina, Uruguai e Paraguai.
O Brasil tem ainda acordos com Egito, Israel, União Europeia ( pendentes de aprovação), EFTA (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein), aguardando assinatura e ratificação, e também um acordo de preferências tarifárias, através do Mercosul, com a Índia, que inclui cerca de 500 produtos.
Estão ainda em negociação acordos comerciais com o Canadá, Cingapura, Coréia do Sul, Tunísia e Líbano, além de estudos razoavelmente avançados para a formatação de acordos comerciais com Indonésia e Vietnã.
China
A China será um dos maiores desafios para a nova gestão da OMC. A questão principal em relação ao gigante asiático será a como restringir os benefícios estatais às empresas chinesas, que distorcem a concorrência no mercado global. E tão difícil quanto convencer Pequim a retirar ou ao menos diminuir esses subsídios, será saber o real volume deles, já que a China não cumpre as regras de transparência contábil sobre subsídios industriais.
Outro tema muito espinhoso que a OMC terá a tratar com a China é a questão da propriedade intelectual, visto que as empresas estrangeiras normalmente são obrigadas a abrir mão de suas patentes dentro de território chinês, fornecendo tecnologia sensível e “know-how” para investir e se instalar lá.
Embora essa seja uma exigência que seria considerada absurda vinda de qualquer outro país, décadas atrás muitas empresas, de vários países, inclusive do Brasil, como a Embraer, a consideraram aceitável como um “pedágio” para ter acesso à mão-de-obra então muito barata e um mercado potencialmente imenso.
Mas hoje essa é uma conta que não fecha mais, já que não somente os produtos, como as marcas chinesas são concorrentes fortíssimos em muitos mercados do mundo. Uma maneira de lidar com essa situação pode ser implementar mecanismos digitais de monitoramento, para facilitar os controles da transparência dos países membros da OMC.
Economias desenvolvidas x Economias em Desenvolvimento.
Pela regra geral, hoje em vigor, cada país membro da OMC chamado de nação mais favorecida, ou seja, uma economia desenvolvida, deve aplicar a mesma tarifa a todos os membros. Mas os países menos desenvolvidos podem elevar suas tarifas em função de problemas econômicos internos.
Porém, não existe quem, além do próprio país, defina e aponte de qual grupo ele faz parte. Os países podem
se declarar como países em desenvolvimento. Ironicamente, é o que fazem a China e a Índia (segunda e quinta maiores economias do mundo, respectivamente. E não se pode obriga-las a abrir mão do status preferencial. Uma possível saída negociada seria a China fazer isso em troca de ter sua economia considerada como do Mercado na investigação sobre as práticas de dumping, o que a ajudaria a lidar com as acusações.
O Brasil, que ainda faz parte dos países em desenvolvimento, tem renunciado ao tratamento especial desde 2003.
Vacinas contra a Covid-19
Como não poderia deixar de ser, a pandemia e a vacina contra a Covid-19 são outros temas complicados para Ngozi Okonjo Iweala lidar à frente da OMC.
As vacinas contra a Covid-19 são provavelmente o produto mais desejado e demandado do mundo, no momento em que escrevemos esse artigo. Mas, mesmo havendo um certo consenso de que interessa a todos que uma vacinação em massa em escala mundial ocorra o mais rápido possível, para que a economia e o comércio internacional se reativem a plena força, há um caminho a ser percorrido para isso.
Produzir e distribuir vacinas em quantidade suficiente é um dos grandes desafios industriais e logísticos do nosso tempo. E um dos caminhos que se propõe para diminuir os atrasos na vacinação é estabelecer acordos para produção local de vacinas, favorecendo os países sem perspectivas de vacinar toda a população em 2021.
Mas há muita controvérsia neste sentido, pois os laboratórios ocidentais dizem que a fabricação faz parte do negócio da indústria. E além da questão das patentes, existiria a do controle de qualidade nos padrões dos componentes da vacina.
Eles têm sua parcela de razão, sem dúvida. Mas também é inegável que se trata de uma situação única, pois o coronavírus já mostrou sua capacidade de causar estragos e de se espalhar rapidamente por todos os países do mundo.
Mesmo que países mais desenvolvidos consigam produzir ou comprar todas as doses necessárias para imunizar um número suficiente de pessoas, para controlar a pandemia dentro de seus próprios territórios, enquanto houver um único país onde a Covid-19 não foi controlada, nele podem surgir novas variantes do vírus, mais contagiosas e mais perigosas, e se espalhar novamente pelo mundo.
Se esse cenário hipotético se confirmar, existe o risco de a pandemia se prolongar indefinidamente, prolongando também a tragédia humana e econômica que ocorreu em 2020 e que estamos vendo persistir em 2021. Inclusive no Brasil.
Nesse cenário, a atuação de uma entidade como a OMC, que existe para equilibrar os interesses econômicos dos diversos países, pode ser fundamental para achar uma solução para esse dilema.
Concluindo desejamos sorte à Sra. Ngozi Okonjo Iweala à frente da Diretoria da Organização Mundial do Comércio. Mas sabemos que ela precisará de mais do que conhecimento e competência sobre economia. Será necessário que tenha uma enorme habilidade política.