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Porque a indústria brasileira não é competitiva e dependemos do agronegócio

O Brasil é a 9ª economia do mundo, com um PIB de , aproximadamente 1,8 trilhão de dólares em 2019. Apesar de ser um número exuberante, ele disfarça um problema grave de nossa economia, que é a falta de competitividade da indústria brasileira, o que faz com que as nossas manufaturas tenham grandes dificuldades em enfrentar a concorrência dos competidores estrangeiros, tanto no mercado doméstico quanto no internacional.

Essa falta de competitividade da indústria brasileira se reflete nos produtos brasileiros  relevantes para o comércio internacional, que são basicamente commodities como os produtos do agronegócio e da mineração. Poucos produtos de empresas brasileiras fariam parte de uma lista dos mais desenvolvidos tecnologicamente ou das marcas mais desejadas, sendo os aviões da EMBRAER e as sandálias Havaianas notáveis exceções.

Em um ranking publicado anualmente pela OMPI – Organização Mundial de Propriedade Intelectual, em parceria com a Universidade de Cornell e o INSEAD – Instituto Europeu de Administração de Empresas, o Brasil ficou em 62º lugar em um ranking de 131 países no Índice Geral de Inovação. Essa posição demonstra o nosso atraso em desenvolver tecnologia e inovação, para que nossa indústria dependa menos da proteção do nosso mercado interno.

Segundo esse estudo, existem sete pilares em que se sustenta a nossa falta de competitividade.

1 – Dificuldade em abrir um negócio.

2 – Baixa qualidade do ensino básico, refletida no baixo desempenho dos estudantes brasileiros em avaliações internacionais de leitura, matemática e ciências.

3 – Baixo número de graduandos em ciências e engenharia.

4 – Infraestrutura precária

5 – Baixo acesso a crédito.

6 – Baixa produção de conhecimento e tecnologia

7 – Baixo crescimento da produtividade no trabalho.

Dos sete fatores apontados pelo Estudo Universidade de Cornell/INSEAD como origem da baixa competitividade brasileira, cinco estão diretamente relacionados `a questão da educação e da formação de mão-de-obra qualificada, só escapando em uma análise mais imediata a questão da burocracia para se abrir um negócio e da infraestrutura, que poderiam ser minimizados com investimento e a famosa “vontade política”.

Esse diagnóstico é confirmado por um estudo do FMI que conclui que a América Latina não é pobre somente por causa do baixo investimento, mas pelos baixos níveis de educação do capital humano, com seus efeitos na produtividade, e na questão da governança, na transparência e previsibilidade das regras do jogo. Entre 8 países latinos e 14 do Leste Europeu analisados, o indicador de capital humano do Brasil só está à frente do Paraguai.

Em governança, nossa posição também não é das mais animadoras. Na questão da previsibilidade, transparência e ética nos negócios, aparecemos à frente somente do  México, Paraguai, Rússia e Ucrânia. Um entrave para atrair os investimentos de que o Brasil precisa tanto para resolver um de nossos gargalos, a infraestrutura.

Investimento em educação é fundamental, mas não o suficiente

Não há dúvida de que sem investimento em educação o Brasil jamais deixará de ser somente um grande produtor de commodities, com uma economia industrializada que depende de um mercado relativamente fechado para que suas indústrias consigam sobreviver à competição estrangeira em produtos manufaturados.

Mas somente isso não é suficiente, pois a educação é um fator entre vários outros que garantem a riqueza de um país. Para ilustrar nosso argumento, vamos então analisar dois casos de sucesso educacional, sendo que um em algum momento desandou e outro criou uma das economias mais prósperas do planeta.

Argentina

Nossos vizinhos e parceiros do Mercosul finalmente, e infelizmente, começaram a pagar o preço de uma crise econômica que parece eterna, e acabou por afetar um dos sistemas educacionais mais bem sucedidos da América do Sul. No mais recente PISA- Programme for International Student Assessment, uma avaliação internacional de proficiência de estudantes de 15 anos de idade em ciências, leitura e matemática, a Argentina ficou em último no continente. .

Entretanto, historicamente, a Argentina costumava ter um nível educacional de excelência, resultado de políticas educacionais implantadas ainda no século XIX, quando no auge econômico do país foram criadas muitas escolas e houve foco no ensino básico. Em 1930 o Brasil tinha 30% de suas crianças na escola, e a Argentina. 60%. Em 1960, já tinham alcançado 100% das crianças na escola, enquanto o Brasil tinha somente 40% delas na mesma situação.

Coréia do Sul

Em meados da década de 1970, a Coréia do Sul era um país muito mais pobre que o Brasil, com um PIB per capita inferior ao brasileiro. Passados mais ou menos 40 anos, o PIB sul-coreano é de 1,6 trilhões de dólares, quase do tamanho do brasileiro, de 1,8 trilhões. Com a diferença de que a população sul-coreana é de aproximadamente 52 milhões de pessoas, pouco menos de 25% da população brasileira, de 211 milhões de pessoas.

O território sul-coreano, também é bem menor que o brasileiro. São apenas 99.720 km², pobres em recursos naturais, tanto que a Coréia do Sul está entre os 10 maiores importadores de petróleo do mundo, contra os 8 515 767 km² do Brasil, riquíssimos em recursos naturais.

Apesar de não serem favorecidos pela demografia, ou pela natureza, os sul-coreanos têm diversos casos de sucesso industrial, tendo produtos com preço e qualidade para disputar todos os mercados do mundo e tendo também criado algumas das marcas mais admiradas em todos esses mercados, nos ramos tecnológico e automobilístico, como Samsung, LG, KIA e Hyundai, entre outras.

Entre os fatores que levaram a esse sucesso da Coréia do Sul, está o fato de que o governo e principalmente as famílias perceberam que o único recurso que tinham era pessoas, e investiram nele. Não somente a educação básica é muito valorizada, como a profissão de professor do ensino básico é uma das mais respeitadas. Estado e famílias comungam do valor de que contribuem para o bem do país através da educação.

Uma criança sul-coreana chega a estudar 16 horas por dia, e a frequentar duas escolas. Uma pública, de excelente qualidade, por sinal, e outra particular, muitas vezes com conteúdo didático em inglês, onde o adolescente se prepara para uma educação superior e uma eventual carreira internacional.

E isso não acontece porque as universidades sul-coreanas não estejam em nível altíssimo. Os alunos das três universidades mais prestigiosas do país – Seoul, Korea e Yonsei , são considerados membros de uma elite intelectual e social respeitada no país inteiro, tanto que são chamados membros do Clube SKY, formado pelas iniciais dos nomes das instituições de ensino.

A dificuldade está na competitividade, tão alta que o vestibular é considerado um evento de vida ou morte para os estudantes sul-coreanos, com uma quantidade assustadora de suicídios entre os que não passam. Por isso, para escapar de um sistema educacional que as próprias famílias coreanas consideram cruel, muitos estudantes do país estão buscando algumas das universidades mais prestigiadas do mundo fora da Coréia do Sul, como MIT, Harvard e Stanford.

A título de curiosidade, essa união de fatores como um esforço quase obsessivo do Estado em educar a população, com um investimento pesado nisso,  uma grande percepção de valor sobre o estudo por parte das famílias,  e uma grande pressão em crianças e adolescentes por resultados escolares, é algo que também pode ser observado na China e no Japão, que apesar de terem povos e culturas diferentes, parecem compartilhar essa característica.

A educação no Brasil

Quando vamos avaliar o mesmo assunto no Brasil, é quase um mantra repetido por todos de que é preciso investir mais em educação, apesar de o investimento nos últimos anos ter ultrapassado 5% do PIB, o que não é pouco quando se fala de valores brutos. Entretanto, quando se avalia os resultados, mexe-se em vários vespeiros, que vão desde interesses corporativos e comerciais a narrativas políticas e ideológicas diversas.

Independentemente da narrativa política, vários especialistas em educação afirmam que apesar do investimento feito nos últimos anos ser alto, ele não só é abaixo da média dos países da OCDE quando se compara o investimento per capita, por aluno, como também estamos tentando recuperar um longo período em que o assunto teria sido deixado em segundo plano, argumento que também entra em uma disputa de narrativas políticas que prejudica uma análise mais racional do problema.

O que podemos afirmar com toda a certeza é que os países que têm uma educação de qualidade historicamente têm sido capazes de criar a inovação tecnológica, e essa capacidade proporciona competitividade. E todos eles, sem exceção, investiram na educação de base para chegar a esse resultado, diferentemente do que fez o Brasil, onde a educação básica gratuita oferecida pelo Estado não só não é universalizada, como é de baixa qualidade.

E para tornar a situação brasileira ainda mais sui generis, o Estado brasileiro oferece universidades públicas gratuitas de boa qualidade, que acabam sendo utilizadas por estudantes que passam nos exames vestibulares porque frequentaram escolas de primeiro e segundo grau de boa qualidade, particulares e muitas vezes muito caras. Dessa maneira, os impostos de todos financiam a educação superior de uma elite que poderia pagar por ela.

Nas últimas duas décadas, esse problema foi atacado através das cotas nas universidades públicas, que beneficiam alunos de escolas públicas e membros de etnias historicamente desfavorecidas, como negros e indígenas. Mas não podemos deixar de apontar que embora a iniciativa seja válida, ela é paliativa, não atacando o verdadeiro problema, que é a baixa qualidade do ensino básico da rede pública.

Vale destacar que algumas entidades da sociedade civil, como o SESI e o SENAI, por exemplo, tentam suprir o papel que deveria ser do Estado, fazendo um trabalho que merece aplausos na área educacional no Brasil. Entretanto, elas não têm os recursos e a capilaridade do Estado, e o déficit educacional brasileiro se mantém elevado.

Lições e desafios para o Brasil aumentar sua competitividade

Qualificação profissional

A experiência dos países que tiveram sucesso na educação valorizaram a carreira de professor do ensino básico e médio, pagando e principalmente formando bem esses profissionais, para que eles possam prestar um serviço de qualidade. Sem investir em formação, o Brasil simplesmente colocará mais dinheiro em um sistema que, como um todo tem uma performance ruim, e dificilmente terá resultados melhores do que os que tem hoje.

Aspectos Culturais

Outra característica dos países que obtiveram grandes resultados com educação foi que os governos e as famílias assumiram esse objetivo como uma missão. No Brasil é comum vermos o aparato do Estado, nas esferas federal, estadual e municipal ser “sequestrado” por interesses que não são os da sociedade, que vão desde os puramente corporativos até o mal de todos os males do Brasil, a corrupção.

No caso das famílias, embora o engajamento na questão educacional tenha melhorado muito, o sucesso escolar das crianças ainda não é visto como uma missão das famílias como é nos países asiáticos. Mesmo levando em conta que seria possível fazer isso mesmo sem criar nos estudantes brasileiros o nível de pressão por resultados que as próprias famílias desses países consideram excessivas.

Ambiente de negócios

A Coréia do Sul fez 40 anos atrás o que o Brasil deveria ter feito há 100, e conseguiu resultados magníficos. A Argentina, por outro lado, fez o mesmo há mais de um século , mas tem uma economia menos competitiva que a do Brasil, tendo de lidar com uma crise econômica interminável e com uma constante “fuga de cérebros”, em que os profissionais mais bem formados de suas universidades deixam o país em busca de oportunidades. E não voltam.

A fuga de cérebros, e a perda do investimento que o país faz por anos para formar um profissional, que também é um problema para o Brasil, mostra o seguinte. Do ponto de vista do indivíduo, a educação de qualidade é um objetivo tão nobre e valioso que pode ser considerada um fim em si mesmo. Mas do ponto de vista do país, a educação deve ser encarada como um meio para um fim.

O Brasil pode e deve investir em educação básica para que em algumas décadas, tenhamos um sucesso parecido com o de japoneses, coreanos e chineses em termos de inovação tecnológica e competitividade. Mas sem um ambiente de negócios que estimule e induza o investimento e o empreendedorismo, tudo o que faremos será gerar mão de obra qualificada para atuar em outros países. Fica a dica para reflexão.

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