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Como é a proposta de Quebra de Patentes das vacinas contra a Covid-19 discutida na OMC

A nova diretoria da OMC – Organização Mundial do Comércio, liderada pela economista nigeriana Ngozi Okonjo Iweala , mal assumiu e já tem que lidar com um dos debates mais complexos do Século XXI, a possibilidade de quebra de patentes das vacinas contra a Covid-19.

 

Esse debate tem vários lados e pontos de vista que precisam ser analisados, e todos tem a sua dose de razão. Mas para se fazer qualquer debate, além dos argumentos de cada um, é preciso analisar a excepcionalidade da atual situação, e as possíveis consequências das escolhas que serão feitas.

 

A pandemia de Covid-19 e a expectativa por uma vacina.

 

Desde que a pandemia começou, infectando centenas de milhões de pessoas, causando a morte de mais de 2, 6 milhões delas ao redor do planeta e arrasando a economia de todos os países do globo no processo, a grande pergunta era se surgiria uma vacina contra a Covid-19. E quanto tempo isso levaria para acontecer.

 

Algumas previsões a esse respeito eram sombrias, estimando em pelo menos dois anos o prazo para o surgimento de uma vacina eficaz.  Muito mais tempo do que empresas de todos os tamanhos, impedidas de funcionar normalmente, e contabilizando prejuízos diariamente, poderiam aguentar.

 

As consequências dessa situação se mantendo indefinidamente são inimagináveis. E não ocorreu em nenhum lugar do mundo de que uma população atingir, como prega uma corrente de pensamento minoritária, mas influente, a chamada imunidade de rebanho, em que se tornaria possível conviver com a Covid-19 como convivemos com outras doenças, e levar a vida em frente normalmente.

 

A experiência mostrou que o aumento da circulação de pessoas traz um aumento exponencial do número de casos, maior do que o sistema de saúde pode lidar, e levando ao seu colapso, como parece estar ocorrendo no Brasil e já ocorreu em outros países, inclusive, nos desenvolvidos.

 

E isso não ocorre somente porque as pessoas circulam mais, mas porque, segundo os especialistas, os vírus são formas de vida muito simples, que sofrem mutações muito rapidamente. E foi assim que um tipo de vírus antes quase inofensivo, o coronavírus, deu origem à pior epidemia dos últimos 100 anos.

 

O surgimento das vacinas contra Covid-19

 

Contrariando as previsões mais pessimistas, foram desenvolvidas em tempo recorde não somente uma, mas várias vacinas contra a Covid-19, como a Coronavac, do laboratório chinês Sinovac e fabricada e distribuída no Brasil pelo Instituto Butantan, a da Oxford Astra-Zeneca,  ambas já em utilização no Brasil, além da Sputnik-V, do instituto Gamaleya, da Rússia, a dos laboratórios Pfizer e a Covaxin, da Bharat Biotech da Índia, para citar somente as mais faladas no Brasil.

 

Então, com toda a cautela, sensibilidade e respeito necessários para tratar desse assunto, especialmente pela situação do Brasil em março de 2021, com números recordes de contaminações e óbitos, há uma luz no fim do túnel, mesmo que nesse momento ela nos pareça muito distante.

 

Se exatamente um ano atrás o mundo discutia a possibilidade do surgimento de uma vacina, hoje discute a escassez das várias existentes, e a questão logística de fazê-las chegar aos pontos mais distantes. Perto do que se discutia pouco tempo atrás, podemos considerar que seria, com todas as aspas possíveis, um “problema bom”. Mas nem por isso, é um problema fácil.

 

A proposta da OMC para as vacinas contra Covid-19

 

Em uma reunião virtual a OMC discutiu a possibilidade da quebra de propriedade intelectual em relação às vacinas contra a Covid-19, e houve uma, esperada, diga-se de passagem, divergência entre os países desenvolvidos, que possuem a maioria das patentes, e os países em desenvolvimento.

 

Índia e a África do Sul em uma proposta copatrocinada por mais 50 países, e com o apoio de outros 57 membros, compreendendo 2/3 dos países membros da OMC, defenderam que se abrisse mão de direitos de propriedade intelectual sobre as vacinas para Covid-19, para acelerar a produção e expandir o acesso à imunização e tratamentos contra a doença.

 

Cabe salientar que o Brasil, quebrando uma tradição histórica de posicionamentos diplomáticos, foi um dos países em desenvolvimento a não apoiar a proposta, sendo Chile , Colômbia, México, e Turquia também contrários à proposta,

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) também defende a ideia, sob o argumento de que ela permite a produção das vacinas contra Covid-19 em nações menos desenvolvidas, das quais mais de 100 não receberam uma única dose sequer de imunizante, lembrando que os países mais desenvolvidos economicamente, por sua vez, compraram mais doses que as necessárias para toda a sua população.

 

De certa maneira, se repete agora com as vacinas o que ocorreu em 2020, quando respiradores, um produto que pelo seu baixo valor de venda, para os padrões da indústria de aparelhos hospitalares, havia tido sua produção concentrada na China, e quando estourou a crise do coronavirus, se tornaram o produto mais raro e desejado do mundo, com os países utilizando o peso de seu poder politico e econômico para serem os primeiros a adquiri-los.

 

Como é a proposta da OMC para a quebra de patentes das vacinas contra COVID-19

 

Pela proposta endossada pela maioria dos países membros, haverá isenção de obrigações do TRIPS, acordo que regula propriedade intelectual, relacionadas a direitos autorais, desenhos industriais, patentes e proteção de informações, o que permitiria que as empresas de medicamentos genéricos começassem a produzir e distribuir vacinas o quanto antes.

 

Se as patentes forem suspensas, empresas de todo o mundo poderiam rapidamente reequipar sua capacidade de manufatura para produzir essas vacinas, se tiverem ajuda tecnológica dos países desenvolvidos, e a fórmula de fabricação da vacina, que geralmente é ocultada.

 

Segundo a proposta da OMC, a suspensão duraria um período determinado, até que a vacinação em massa estivesse em vigor em todo o mundo, e a maioria da população mundial imune. Os membros revisariam a isenção anualmente até a rescisão.

 

A diretora geral da OMC, Sra. Ngozi Okonjo-Iweala manifestou preocupação com a falta das vacinas nos países em desenvolvimento, indicando que tratará do assunto com a devida importância, tanto que está marcada uma nova reunião para tratar do tema, provavelmente em Abril.

 

A posição dos laboratórios donos das patentes de vacinas contra a Covid-19

 

Os laboratórios donos das patentes das vacinas contra Covid-19 se posicionaram contra a proposta, afirmando que a fabricação e comercialização das vacinas faz parte do negócio da indústria farmacêutica, e além da questão da receita e lucratividade da comercialização, há também a do controle de qualidade sobre os componentes da vacina.

 

Casos de sucesso de quebras de patentes em medicamentos.

 

A controvérsia entre emergências humanitárias e direitos de propriedade sobre medicamentos não é nova. O próprio Brasil, em 2007, chegou a adotar a quebra de patentes para permitir a produção de um medicamento para tratar doentes de AIDS. E no caso do Ebola no continente africano, houve esforços de países tecnologicamente desenvolvidos, mais especificamente da Rússia, para diminuir a incidência e não trazer ao mundo a pandemia.

 

A excepcionalidade da crise da Covid-19

 

Os defensores da patente de medicamentos por parte dos laboratórios que os desenvolvem afirmam que o desenvolvimento de medicamentos e vacinas é um investimento pesado, que exige muito dinheiro,  pelo qual os laboratórios, que são empresas privadas, assumem os riscos.  Se as patentes forem quebradas e eles não tiverem o retorno pelo investimento que fizeram, não somente não teriam o estímulo para se dedicar a esse tipo de pesquisa no futuro, como não teriam os recursos para fazê-lo, que vêm do lucro de sua atividade.

 

É um argumento válido, mas a ele se opõe o daqueles que afirmam que vidas humanas são bens inestimáveis, e que os direitos de propriedade intelectual não são fins em si mesmo, mas ferramentas para promover a prosperidade humana.

 

Por trás de ambos os argumentos está uma das discussões fundamentais do capitalismo, tão fundamental que costuma despertar paixões políticas, que muitas vezes nublam a racionalidade.  Por isso, não vamos entrar nos aspectos mais “filosóficos” , mas chamar a atenção para aspectos iminentemente práticos, como o fato de que a maior parte dos países menos desenvolvidos não têm imunizantes. E a vacinação global é a única forma segura e razoavelmente garantida de cortar a transmissão da Covid 19, e suas variantes.

 

Ninguém é obrigado a se comover pelo aspecto humanitário do problema. Essa, aliás, é uma questão mais adequada ao foro íntimo e pessoal de cada um do que a demonstrações públicas, e nem sempre sinceras, de virtudes, tão comuns na era das redes sociais. Mas convém lembrar do que ocorreu um ano atrás e do que vem ocorrendo desde então.

 

O Coronavirus foi identificado na década de 1960, sendo responsável por infecções respiratórias brandas e de curta duração, que a maioria das pessoas contrai durante a vida, sem maiores consequências. Uma mutação natural desse vírus, porque é da natureza dos vírus sofrerem mutações com grande velocidade, gerou a Covid-19, que a partir de uma pessoa infectada em Wuhan, na China, se espalhou pelo mundo, com as consequências que todos conhecemos.

 

Estamos vendo, no Brasil de 2021, um novo surto de infecções que, de acordo com especialistas, é resultado de novas cepas do vírus. Como dissemos antes, o fato de já termos vacinas no país, apesar de todos os contratempos, nos dá espaço para um moderado otimismo. Há luz no fim do túnel, apesar de parecer longínqua, nesse momento.

 

Mas enquanto houver um país sequer do mundo em que a pandemia não tenha sido controlada, não importa o quão longínquo, ou miserável, ele possa ser, existe a possibilidade de lá o vírus continuar sofrendo mutações, e a partir desse lugar, se espalhar novamente pelo mundo, repetindo o que ocorreu a partir de Wuhan.

 

Fica a dica para reflexão.

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