China x Austrália

Disputa comercial China x Austrália é alerta para a diplomacia brasileira

A China impôs pesadas taxações para importação de produtos da Austrália. Esse aumento de taxas parece ser o mais recente capítulo de uma série de atritos que têm acontecido desde que a Austrália barrou a empresa chinesa Huawei de participar da instalação do 5G no país, iniciando um movimento que depois foi encampado pelos Estados Unidos e tem sido uma das marcas da presidência de Donald Trump.

Nesse período o governo brasileiro também tem tido alguns desentendimentos com a China, que é nosso maior parceiro comercial, destino de 25% de nossas exportações. Esses desentendimentos, que começaram com ironias e trocas de farpas em redes sociais, recentemente tiveram uma subida de tom, com a China protestando pelos canais diplomáticos e deixando claro que poderia retaliar com sanções comerciais.

A dúvida levantada nesse caso é se China estaria disposta a ir com o Brasil tão longe quanto foi com a Austrália, já que supostamente não poderia abrir mão dos produtos do agronegócio  do Brasil, e não poderia abrir mão de sua segurança alimentar. Mas a história não é bem assim.

Histórico da disputa comercial China x Austrália

As relações sino-australianas tiveram seu primeiro abalo em 2018, quando a Austrália foi o primeiro país a barrar a participação da gigante chinesa de tecnologia Huawei na implantação da tecnologia 5G, alegando razões de segurança de dados.  Em 2020, o aparecimento do novo Coronavirus levou o governo liderado pelo Primeiro-Ministro Scott Morisson a pedir uma investigação sobre a origem do vírus.

O capítulo mais recente desse  histórico de desavenças entre os governos, que foi acompanhado de constantes críticas da imprensa australiana à China, é a série de sanções impostar pelo país asiático a produtos australianos, como vinho, cevada, carne bovina, carvão, cobre, algodão, lagostas, açúcar, madeira, trigo e lã.

No caso do vinho, especificamente, a China alegou que os produtores australianos estariam praticando dumping, e instituiu taxas que variam entre 107,1% e 212,1%. O Ministro do Comércio da Austrália, Simon Birmingham, chamou o ato de “golpe devastador”, que inviabilizaria a indústria de vinho australiana, e incompatível com os compromissos da China com o Acordo de Livre Comércio China -Austrália e a Organização Mundial do Comércio.

 

Os desafios para a diplomacia brasileira

Obviamente o Brasil e a Austrália são países diferentes. Embora ambos tenham na China o seu maior parceiro comercial, a proximidade física com o gigante asiático faz com que os australianos vejam com um certo temor o aumento do poder militar e naval da China, que acompanhou o crescimento de seu poder econômico.

Para o Brasil, entretanto, a China até hoje tem sido somente um importante parceiro comercial, o maior desde 2008, e um dos principais investidores estrangeiros no Brasil, e que será fundamental se o Brasil quiser realmente implementar uma agenda de reformas econômicas que incluam desestatizações e atração de investimento estrangeiro. Não há privatização bem sucedida possível sem investidores com recursos.

Mas já faz algum tempo que a relação entre China e Brasil tem sido estremecida por burburinhos do governo brasileiro, aos quais a China tem respondido com declarações agressivas, em um tom muito acima do que costumava fazer quando recebia críticas, independentemente de onde elas viessem.

A razão de a China parar de fazer ouvidos de mercador em relação às críticas e se colocar de maneira mais agressiva é que mudaram as circunstâncias, com o gigante asiático emergindo da crise da COVID-19 como a maior economia do mundo, e a questão da Internet 5G, que será a próxima grande revolução tecnológica.

Porque o 5G é tão importante

A chamada Internet das Coisas funcionará através do 5G, de eletrodomésticos a cirurgias à distância, passando por carros autônomos a fornecimento de energia, chegando até a drones utilizados para entregas de mercadorias ou até transporte de pessoas. É uma revolução que provavelmente chegará mais cedo aos países mais ricos, mas que o Brasil deve adotar, porque não pode correr o risco de ficar para trás e afetar nossa competitividade como país.

A questão que se levanta em relação à Huawei é que por ela ter relações com o governo chinês, isso abriria a possibilidade de Pequim espionar as comunicações ou até mesmo controlar serviços de outros países que utilizassem o seu 5G. E como pano de fundo dessa questão, está a disputa entre Estados Unidos e China, na qual o Brasil tem tomado uma posição pró-americana.

Existe risco no 5G?

Tecnologia da Informação não é nossa área de conhecimento,  por isso não temos como opinar se as acusações feitas contra a Huawei são, ou não, procedentes, e em que nível. Mas acreditamos que nas empresas de telecomunicação, universidades e centros de pesquisa tecnológica, tanto civil quanto militares brasileiras, existem pessoas capazes de responder a essa pergunta com muito mais propriedade.

Qualquer decisão que o Brasil venha a tomar em relação ao 5G deve levar em conta essa opinião de especialistas, e independentemente de quem seja o fornecedor da tecnologia, deve haver garantias em relação à segurança, bem como preservar todos os outros interesses do Brasil, como os comerciais.

Esse trabalho, garantir uma tecnologia 5G que satisfaça os mais altos padrões de segurança, sem que isso crie nenhum outro tipo de problema em relação a outros interesses do Brasil, exigirá da nossa diplomacia habilidade, paciência, conhecimento e profissionalismo.

inclusive para evitar que eventuais discordâncias, que são inevitáveis quando se discute um assunto tão importante,  se tornem desavenças, e elas escalem, como aconteceu entre China e Austrália, porque ninguém ganha com isso, inclusive os dois países do Pacífico, que acabaram de assinar um acordo comercial importante, o RCEP.

Mas, se alguém tem dúvidas se a China pode retaliar o Brasil, a resposta é sim, embora não seja no curto prazo.

China pode retaliar o Brasil

O Brasil atingiu uma posição de destaque e excelência no mercado mundial de commodities, como minérios e produtos do agronegócio, e no curto prazo é um fornecedor muito difícil, quase impossível de substituir.

Mas uma das características do jeito chinês de fazer as coisas é o planejamento de longo prazo,, e a China tem trabalhado para habilitar novos fornecedores e diversificar os mercados de que compra, estreitando relações com outros países e diminuindo sua dependência do Brasil e dos Estados Unidos. Veja a lista:

  • Argentina: A China tem comprado de nossos vizinhos soja e carne bovina, produtos em que eles têm preço e qualidade, bem como têm investido pesadamente na suinocultura do país, uma proteína animal que têm muita aceitação no mercado chinês.
  • Rússia: Soja
  • Tanzânia: soja
  • Quênia: café, rosas, abacate
  • Namíbia e Botsuana: carne bovina
  • Ruanda: café
  • África do Sul: frutas.

Conclusão

A missão da diplomacia brasileira não é das mais fáceis, inclusive porque estamos em uma posição de sermos grandes o suficiente para que nenhum grande player do mercado considere o Brasil um mercado secundário para o 5G, de modo que sofreremos pressão. Mas não somos grandes o suficiente para contar com qualquer recurso além do soft power.

E para que o soft power possa agir é preciso diálogo, conversa, negociação. Processo em que, para sermos bem sucedidos, não podemos desperdiçar nosso capital político em picuinhas inúteis.

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