Depois de um período de quatro meses de quase paralisia em função da crise do coronavírus, a economia brasileira se prepara para a retomada das atividades, que foram total ou parcialmente interrompidas, dependendo do setor. Esse é um cenário que exige estratégias corajosas e pensamento fora da caixinha, porque apesar das dificuldades, também existem oportunidades no horizonte.
Para saber quais serão os obstáculos e as oportunidades, é necessário entender as especificidades de cada setor, os possíveis cenários macroeconômicos com que o Brasil irá lidar nos próximos meses e também o que restou do mundo pré-coronavírus que pode ser recuperado e o que está definitivamente perdido.
Resquícios do cenário pré-pandemia
A economia não estava aquecida antes do início da pandemia de covid-19. Embora não estivesse ruim como nos anos de recessão em que o Brasil teve PIBs negativos, o crescimento em torno de 1% dos últimos anos estava longe de ser exuberante. Mas havia boas perspectivas no horizonte e um crescimento mais vigoroso parecia uma questão de o governo se organizar politicamente e aprovar as tão aguardadas reformas econômicas liberalizantes.
Internamente, o mercado imobiliário dava sinais de recuperação após um longo período de baixa. O agronegócio continuava tão competitivo quanto sempre foi, com boas perspectivas internacionais, como o acordo com a União Europeia, com as únicas possíveis ameaças vindo mais de erros de comunicação do Brasil do que do fechamento de mercados internacionais ou o surgimento de novos concorrentes para disputar esses mercados.
A China se consolidava como player sério na disputa com os Estados Unidos pela liderança global, e o Mercosul continuava um bloco econômico muito mal aproveitado, com as oportunidades econômicas ficando em segundo plano por causa de disputas ideológicas entre países cujos governos tinham visões diferentes e interesses políticos internos de curtíssimo prazo.
Os cenários para a retomada da economia
Com a recessão mundial causada pela pandemia posta, os economistas discutem como será o gráfico da retomada da economia, sendo cogitados três cenários possíveis: Uma letra V, uma letra L e uma letra K, sendo cada uma delas a representação em um gráfico de linha dos cenários econômicos de curto e médio prazo, que podem afetar o longo prazo, dependendo de como o governo e as empresas brasileiras agirem.
A recuperação em letra V
Um cenário de recuperação em letra V é o mais otimista possível. Se daria em uma situação em que a paralisação da economia tenha causado mais um adiamento do que uma desistência dos planos de consumo e investimento de pessoas físicas e jurídicas. E que, apesar da situação recessiva atual, haveria ainda capacidade suficiente dos atores econômicos para uma recuperação vigorosa, se houver estímulos governamentais.
A recuperação em letra L
Esse é um cenário mais pessimista, em que o gráfico da recuperação econômica se assemelharia a uma letra L, porque a recuperação seria tão lenta que sua curva de subida se assemelharia a uma linha quase horizontal. A razão de um possível cenário como esse seria a falta de estímulos econômicos, ou que eles não chegassem a quem precisariam chegar, o que aumentaria o custo humano da crise.
A recuperação em letra K
Esse é um cenário mais complexo, que pode se configurar no Brasil, de curvas de recuperação diferentes para empresas e pessoas físicas de acordo com a sua renda e tamanho. A razão disso seria que, por mais que os governos tenham ciência da necessidade de estímulos econômicos e até a boa vontade de fornecê-los, a operacionalização desse processo se dá através do sistema bancário, que tem a capilaridade e a expertise para isso.
Então, por depender dos critérios do sistema bancário, empresas maiores e pessoas de maior renda tem um acesso maior e mais rápido aos estímulos governamentais, a juros menores, enquanto empresas menores e pessoas de baixa renda demoram mais para receber o estímulo econômico, que quando chega, é em quantidade menor e a juros maiores, tornando sua situação mais difícil.
Esse fenômeno já pode ser observado, com o dinheiro barato dos bancos centrais chegando com facilidade às grandes empresas e estimulando a rápida revalorização de seus ativos, e sua capacidade de manter empregos. Por outro lado, as empresas menores e os trabalhadores informais, que são 70% da mão de obra dos países em desenvolvimento, segundo o Banco Mundial, não estão tendo acesso a esse dinheiro, e passam grandes dificuldades.
A recuperação econômica mundial
Essa diferença na velocidade de recuperação também poderá ser observada entre cada país. Os países mais ricos e em melhor situação fiscal, com maior capacidade de injetar dinheiro em suas economias, tendem a se recuperar mais rápido. Por outro lado, aqueles que estiverem em uma situação fiscal ruim, caso da maioria dos países em desenvolvimento, terão menos capacidade de injetar dinheiro em suas economias e terão uma recuperação mais lenta.
A situação da economia brasileira
Embora um gráfico de recuperação em letra K esteja se desenhando na economia brasileira, existem outros fatores que podem influenciar o cenário. Por um lado, embora o Brasil tenha uma economia e um mercado muito maior que a maioria dos países emergentes, é inegável que temos uma situação fiscal delicada, que precede a pandemia e compromete a capacidade do Banco Central de injetar dinheiro na economia sem causar déficit.
Por outro lado, a crise também poderá gerar oportunidades dentro do Brasil, no sentido de que nossas autoridades econômicas já sinalizaram que pretendem continuar a fornecer estímulos ao mesmo tempo em que prosseguem nas reformas liberalizantes. Essa equação coloca objetivos aparentemente contraditórios, já que para injetar recursos na economia é preciso possuí-los, sob o risco de gerar uma espiral inflacionária grave.
A solução dessa questão estaria em um ambicioso pacote de privatizações, que se, para muitos era uma questão ideológica, se coloca cada vez mais como imposição da realidade. Se antes as privatizações eram vistas somente como uma maneira de diminuir o tamanho do Estado, aumentar a sua eficiência e diminuir possibilidades de corrupção, hoje se colocam também como uma maneira de gerar recursos. Talvez a única, no montante que precisamos.
Colocadas a necessidade e a oportunidade, o que faltaria seria comunicá-la aos investidores estrangeiros, passando os sinais corretos, que seriam a segurança jurídica e a estabilidade política. E é justamente essa última que precisa de ajustes, pois em períodos recentes o Brasil se colocou em meio a polêmicas, especialmente relacionadas à questão ambiental, que não beneficiam de maneira alguma as empresas ou os cidadãos brasileiros.
A boa notícia é que autoridades e empresários no Brasil parecem ter percebido que a preservação ambiental não é somente uma questão de legado para as futuras gerações, mas também um poderoso argumento de comunicação para passar a mensagem correta a investidores e formadores de opinião em diversos lugares do mundo, como demonstram algumas ações de relações públicas e institucionais recentes.
Obviamente, ações de relações públicas serão somente um discurso vazio se não vierem acompanhadas de ações efetivas. Mas não se pode deixar de louvar iniciativas que buscam diminuir as tensões e incertezas, ao invés de potencializá-las, porque isso torna o ambiente de negócios melhor para quem trabalha e produz no Brasil, e mais atrativo para quem pretende investir aqui.
Dependerá única e exclusivamente do governo brasileiro passar a mensagem correta a investidores do mundo inteiro. O investimento saudita de USD 10 bilhões, anunciado na visita do Presidente da República em outubro de 2019, começou a se concretizar, com o Fundo Soberano da Arábia Saudita anunciando uma injeção, em valores ainda não revelados, no fundo de investimentos brasileiro Pátria.
Estratégias de retomada de atividades para as empresas brasileiras
As empresas brasileiras devem se preparar para um período de desafios. Não somente porque o mercado doméstico começará a retomada recessivo, e o mercado externo poderá ser uma boa alternativa, mas porque a recessão será global, o protecionismo aumentará, e competidores estrangeiros podem ver no Brasil a solução para os seus próprios problemas, às custas da participação de mercado e da margem de lucro das empresas brasileiras.
Então, as empresas nacionais devem se preparar para serem mais competitivas, encarando a concorrência estrangeira tanto nos mercados de outros países como no próprio mercado brasileiro. As estratégias a serem adotadas dependerão tanto do tipo de produto ou serviço que se deseja vender como das características dos mercados e dos consumidores que se quer atingir. Vamos a elas:
Internacionalização
O processo de internacionalização consiste na adoção de normas e procedimentos de padrão internacional, que levam a uma redução de custos, aumento da produtividade, adoção de novas tecnologias e melhora de produtos, gerando aumento da competitividade para disputar os mercados doméstico e externo.
Para quem é internacionalização é recomendada
Cabe à empresa identificar qual o seu próprio DNA, no sentido de entender as características do seu negócio, de seu produto, do mercado que pretende disputar, de quem são seus principais concorrentes, os potenciais clientes e como eles percebem valor em produtos e serviços. E com base em todas essas informações, definir sua estratégia.
Por exemplo, uma empresa que vá disputar um mercado unicamente com base em preços, com produtos comoditizados, ou que tenha uma estratégia baseada em diferenciação do seu produto, inclusive se buscar atender a nichos de mercado, pode obter muitos lucros passando por um processo de internacionalização.
Internacionalização 2.0.
O processo que chamamos de Internacionalização 2.0 é detalhado aqui, e envolve a logística e o uso intensivo de tecnologia adaptado ao mundo pós-pandemia. Mas o que as empresas mais devem prestar atenção é às estratégias de marketing que irão utilizar, envolvendo a promoção de suas marcas e o seu posicionamento.
As estratégias de posicionamento são as mais variadas possíveis, dependerão muito de qual produto ou serviço se está promovendo, e para qual público-alvo. Mas para quem está pensando em atingir os principais mercados do mundo, algumas pesquisas feitas com consumidores no Brasil e no exterior já apresentam algumas informações interessantes, que configuram uma tendência.
A primeira delas vem de uma pesquisa feita pela consultoria LLYC, que indicou que 73% dos consumidores na Europa e América Latina dão preferência à marcas que valorizem a experiência do consumidor e tenham propósito, ou seja, existam para contribuir com um mundo melhor, o que, pela associação automática entre Brasil e a causa ambiental, pode ser uma grande oportunidade para as empresas brasileiras.
A segunda vem de uma pesquisa feita pelo Boston Consulting Group , que entrevistando 3249 pessoas na China, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, África do Sul e Brasil, constatou que elas dão importância a causas como redução das emissões de carbono, não associação com práticas ilegais, e reposicionamento da cadeia de suprimentos.
Conclusão
No mundo pós-pandemia de Covid-19, as ameaças estão colocadas, bem como as oportunidades. As empresas brasileiras podem agir de maneira passiva e reativa, esperando que a situação da economia e de seus mercados melhore, para que a delas melhore junto. Em resumo, se segurar e contar com um pouco de sorte. A outra maneira é agir de maneira proativa, para aproveitar as oportunidades que o mundo pós-coronavírus irá criar.
Independentemente de qual seja a estratégia escolhida, é sempre bom lembrar que a sorte favorece quem se prepara.