Depois de um longo processo de transição, que chamar de tumultuado seria até um eufemismo, Joe Biden assumiu como o 46º Presidente dos Estados Unidos.
Os quatro anos de Donald Trump na Casa Branca sem dúvida ainda serão objeto de muito debate sobre como ele chegou lá, os sentimentos que fizeram os eleitores americanos o escolhessem, os métodos utilizados na campanha, o seu estilo de governar, como lidou com a pandemia e principalmente, como ele se comportou depois que os números confirmaram sua derrota na tentativa de reeleição.
Se fôssemos resumir as características de Trump como presidente em poucas palavras, elas seriam: personalista, unilateralista e mais confrontador do que diplomático, confiando em um carisma que não dava espaço para meias medidas. Era amar ou odiar.
Dada a importância dos Estados Unidos para a economia e a política globais, e sua inegável influência cultural, não é exagero afirmar que o mundo acompanhou as eleições americanas como se fossem as de seu próprio país. E uma boa parte do público, especialmente a que não aprovava Trump, depositou em Biden muitas expectativas. Algumas, pouco realistas.
Com base nos primeiros atos de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos, vamos analisar onde ele difere de Trump no conteúdo, e não somente no estilo. O que podemos afirmar com toda a certeza é que a situação de disputa com a China pela posição de primeira potência mundial continua, porque se trata de algo inevitável. A diferença é que com Biden, a atuação americana tenda a ser muito mais sutil e diplomática do que foi com Trump.
Políticas protecionistas
O governo de Donald Trump, ao contrário de outros do Partido Republicano, mais simpáticos ao livre comércio, foi marcado pela frase “America First”, os Estados Unidos em primeiro lugar, em uma tradução livre, levantando barreiras alfandegárias, e não alfandegárias, além de projetos polêmicos, de tentar retirar da China as fábricas de produtos de marcas americanas famosas, como a Apple.
Joe Biden estrou com um estilo menos agressivo que Trump, sem citar diretamente a questão de déficits ou superávits comerciais com a China, mas no mesmo espírito protecionista. A ordem executiva Buy American, assinada em 25 de janeiro, cria uma reserva de mercado para empresas americanas para os 600 bilhões de dólares de compras governamentais de produtos e componentes.
Multilateralismo
Nesse quesito a diferença é total. Não somente de estilo, mas de conteúdo também.
Trump havia retirado os EUA de tratados e organismos internacionais importantes, como a OMS e o Acordo de Paris, o que na nossa opinião, foi um erro. Não porque eles sejam imunes à críticas, mas porque a História já mostrou que não existe vácuo de poder. A influência econômica e política que os EUA naturalmente exerciam, quando eles se retiram, é ocupada por outros atores, que não necessariamente atuarão de acordo com os interesses americanos.
Com Biden os Estados Unidos voltam a participar tanto da OMS como do Acordo de Paris, mas ainda não destravaram a nomeação dos juízes do Tribunal de Apelação da OMC, uma instância importantíssima para a resolução de conflitos comerciais entre os países.
Convém lembrar que apesar das declarações mais fortes contra esse organismo terem acontecido durante o governo Trump, as ações americanas contra ele começaram ainda na gestão de Barack Obama, alegando que as decisões do Tribunal de Apelação favoreciam sistematicamente a China, em detrimento dos interesses americanos.
Pela importância que um órgão assim tem, espera-se que Joe Biden trabalhe pela resolução do impasse, que tudo indica que passará pela reforma do Tribunal de Apelação ou da própria OMC.
Questão Ambiental
Todos os países, e os EUA não serão diferentes, terão de equacionar as necessidades da preservação do meio ambiente com as de crescimento da economia depois da grande crise causada pela Covid-19.
Mas, ao contrário da gestão de Donald Trump, onde a questão ambiental ficou totalmente subordinada à econômica, no governo Biden o meio ambiente volta ao primeiro plano, o que afeta diretamente o Brasil.
Com o apoio dos governos e organizações da Europa, Biden com certeza exigirá do governo brasileiro ações concretas em relação ao desmatamento e às queimadas, especialmente na região amazônica. É uma tarefa que se coloca desde já para a nossa diplomacia.
O conselho da Amazônia, liderado pelo Vice-Presidente, General Mourão, tem tentado mudar a imagem negativa que existe do Brasil. É um esforço que deve ser reconhecido. Mas é preciso reconhecer também que não será uma tarefa fácil. Além de realizar ações de preservação, é preciso também uma campanha de divulgação constante e profissional para melhorar a imagem do Brasil no exterior, que, com o perdão do trocadilho, também foi chamuscada.
Relação Brasil-Estados Unidos
Apesar de estarmos em primeiro plano na questão ambiental, podermos considerar favas contadas que o Brasil não será prioridade dos Estados Unidos no ponto de vista comercial, mas isso não significa que as relações vão piorar.
Se por um lado Biden manteve a proibição dos voos procedentes do Brasil, o que é plenamente compreensível em razão do recrudescimento da pandemia, pelo outro relaxou a política de imigração, uma bandeira histórica do Partido Democrata e cujo endurecimento foi uma das principais marcas do governo Trump, que iniciou a construção de um muro na fronteira com o México, que Biden mandou parar no primeiro dia de mandato.
Nas relações comerciais Brasil Estados Unidos, o relacionamento pessoal entre os governantes de turno nos últimos dois anos não nos trouxe grandes benefícios. Foi encaminhado apenas um acordo de Facilitação do Comércio, Boas Práticas Comerciais e Anticorrupção, que os legislativos de ambos os países ainda precisam ratificar, Mas ele não abriu mercados, ou gerou novas oportunidades comerciais.
Aliás, reconhecendo a realidade de que Brasil e Estados Unidos têm economia concorrentes, é preciso reconhecer que ultimamente saímos perdendo, já que na busca pela reeleição, Trump acenou ao seu eleitorado dificultando a entrada de aço e etanol brasileiros no mercado americano, enquanto em setembro o Brasil concedeu isenção tarifária para a importação de 187,5 milhões de litros de etanol dos Estados Unidos.
Conforme já dissemos, Biden demonstrou uma tendência protecionista, mas isso não significa que o mercado norte-americano estará fechado ao Brasil. O Sistema Geral de preferências-SGP, que favorece os exportadores brasileiros com redução de tarifas de importação aos importadores norte-americanos , expirou em 31/12/2020 e ainda não foi renovado pelo Congresso Americano.
O Brasil, à época de Trump, deixou de ser nação mais favorecida do SGP. Seria do interesse dos exportadores brasileiros que eles se mobilizassem, junto à embaixada do Brasil em Washington, para fazer lobby, que nos EUA é uma atividade legítima e legal, para a renovação.
E o Brasil?
John Foster Dulles, Secretário de Estado dos Estados Unidos durante a gestão Eisenhower, cunhou uma das frases mais repetidas, e talvez menos compreendidas, das relações internacionais: Não há países amigos, mas interesses comuns.
Sua crueza deve ser analisada no contexto da época em que foi dita, a Guerra Fria, em que a escolha de aliados de cada país dependia da posição dos mesmos em relação às duas superpotências, acima de qualquer outro critério, dando menos importância a laços e afinidades políticas, culturais, étnicas e até religiosas entre os países, que muitas vezes vemos influenciar suas decisões na arena internacional.
Mas não muda o fato de que todos esses fatores estarão sempre subordinados aos interesses de cada país, que devem sempre vir em primeiro lugar na maneira como eles se posicionam nas relações internacionais.
Com base nessa realidade, o Brasil deverá trilhar caminhos em que valorize as relações bilaterais com os Estados Unidos, pela importância que o país sempre teve no cenário mundial e pelo histórico de bom relacionamento que sempre houve entre Brasil e Estados Unidos. . Mas defendendo acima de tudo os interesses brasileiros.