crise-econômica argentina não tem saída indolor

A crise econômica da Argentina não tem saída indolor

A crise econômica da Argentina não tem saída indolor. É temerário iniciar um artigo pela sua conclusão, mas quando analisamos as medidas de curto prazo tomadas pelo governo argentino para vencer a hecatombe econômica da escassez de reservas internacionais, é possível perceber um padrão nas medidas de curtíssimo prazo, que tentam poupar a Argentina das dores dos ajustes que precisa, mas ao mesmo tempo perpetuam sua tragédia.

A crise de reservas internacionais da Argentina

A crise de reservas internacionais da Argentina não é novidade. Ela ficou evidenciada no acordo feito com a China no início de 2022 para permitir o comércio entre os dois países em moeda chinesa. Esse acordo sem dúvida foi conveniente para ambos os parceiros, porque a Argentina não tem reservas em dólar suficientes para as necessidades do país e a China tem intenção de fazer com que o Renminbi seja mais aceito internacionalmente.

Mas dado o tamanho da crise, esse foi apenas um paliativo. Em setembro de 2022, as reservas em dólares da Argentina estavam em torno de 2 bilhões de dólares, segundo o Banco central do país. Muito pouco para um país que tem um PIB de 383,1 bilhões  de dólares, em números de 2020.

A crise é tão grave que nem o crescimento do PIB em “números chineses”, 6,9% no segundo trimestre de 2022, consegue amenizá-la, já que a inflação também é altíssima, somente abaixo no continente americano da inacreditável inflação da Venezuela, de 700% ao ano. Em setembro de 2022, a Argentina já atingia 83% de inflação acumulada em 12 meses.

Esse nível de perda de valor da moeda nacional é uma catástrofe econômica que somente os brasileiros com 50 anos de idade, ou mais, conheceram. E com certeza não tem saudades, porque as consequências sociais, especialmente para os mais pobres, são enormes e, principalmente, perversas.

Os muitos câmbios Dólar-Peso Argentino

A Argentina tem hoje 15 tipos de câmbio diferentes entre o Dólar e o Peso Argentino, sendo que alguns deles já ultrapassaram em mais de 100% o câmbio oficial, e todos são, com o perdão da expressão, gambiarras criadas para evitar um aumento de impostos que irritaria ainda mais um povo que já está no limite de sua paciência. E fazer com que os cidadãos argentinos utilizem para consumo seus dólares guardados em casa.

Entre as excentricidades cambiais, há um Dólar especial para a importação de bens de capital e insumos para indústria, garantida por lei aos importadores no câmbio oficial. Por outro lado, para incentivar as exportações de soja, foi criado o dólar-soja com cotação a 200 pesos por dólar. Contudo, há um imposto de exportação para as vendas externas da commodity, que  tem incentivado o contrabando de soja para o Brasil, prática ilegal.

E, obviamente existe um mercado ilegal da moeda norte-americana, o dólar blue. A sua cotação em 18/10/2022 era de 283,00 pesos por dólar e o câmbio oficial é de 150,75 Pesos Argentinos.

Os efeitos da crise econômica argentina para o Brasil

Sem rodeios, a crise econômica na Argentina é péssima para o Brasil. Não somente porque nosso vizinho é, apesar da crise, o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, e mercado em que nossos produtos manufaturados ainda conseguem competitividade, como também porque pode nos custar oportunidades.

O mundo vive um momento de regionalização continental das cadeias de produção, em que, por causa do caos logístico causado pela pandemia de COVID 19, e pela guerra na Ucrânia, muitas industrias estão saindo da China e de outros países da Ásia para locais em que fábricas  e mercados consumidores possam estar mais próximos entre si, diminuindo riscos logísticos.

Se esse cenário se concretizar, termos vizinhos com os quais já somos economicamente integrados, inclusive do ponto de vista de normas e regulações, garantidas pelo Mercosul, e uma logística que tende a se aprimorar com as amarras protecionistas que foram retiradas da navegação de cabotagem, tanto no litoral brasileiro, quanto entre nós e nossos vizinhos do Cone Sul, a própria Argentina, e o Uruguai, seria uma grande vantagem competitiva.

Entretanto, dado o grau de instabilidade política e social que uma crise econômica dessas proporções pode causar, tudo se torna mais arriscado e imprevisível, inclusive uma integração econômica mais profunda.

O perverso efeito social da crise econômica

As crises econômicas que a Argentina passou ao longo das últimas décadas inviabilizaram governos e chegaram a derrubar presidentes. Mas, se nada indica uma deterioração social como a ocorrida na Venezuela, de onde as pessoas fugiam atravessando a fronteira com o Brasil, criando uma crise de refugiados em Roraima, nada indica também uma melhora substancial que possa tirar a Argentina dessa crise.

É triste, mas não é incorreto afirmar que já faz anos que a Argentina está em um limbo econômico e social.

Por que a Argentina vive uma crise econômica aparentemente interminável

Como muitos países da América Latina, incluindo o Brasil, a Argentina tinha uma inflação altíssima na década de 1980 e passou por um processo de estabilização na década de 1990, atrelando sua moeda com uma conversibilidade forçada ao Dólar, dois anos antes do que foi feito no Brasil com o Plano Real, embora o plano de estabilização brasileiro tivesse diferenças do argentino no que se refere à conversibilidade forçada, que a Argentina adotou, e o Brasil, não.

Esse processo trouxe estabilidade às moedas argentina e brasileira , domando a inflação galopante e garantindo poder de compra à população, especialmente a mais pobre. Mas também trazia seus problemas, como a perda de competitividade das exportações, o que diminuía a capacidade de acumular reservas, e uma inundação do mercado interno por produtos importados com os quais a indústria local não conseguia competir.

O atrelamento ao dólar e a abertura do mercado às importações trazia esses problemas, mas foi o preço que se pagou para impedir o desabastecimento do mercado interno, uma consequência inevitável que ocorria quando se tentava estabilizar uma moeda em um país que tinha inflação na casa dos dois dígitos mensais. Por isso, era impossível mantê-la indefinidamente, e ambos os países tiveram uma saída traumática dela.

O Brasil abandonou o atrelamento do Real ao Dólar, adotando o câmbio flutuante,  em 1998, e a Argentina, em 2001. Se a saída do Brasil da paridade foi dolorosa, é inegável que o país fez ajustes para manter sua credibilidade internacional, que em certos momentos, foram  também dolorosos. A Argentina, por sua vez,  sempre buscou saídas indolores. E deu tão certo quanto daria tratar com analgésicos, tumores que precisam de quimioterapia, apelando a uma metáfora médica.

Entre os exemplos de “feitiçarias econômicas” tentadas na Argentina está o Corralito, quando em, 3 de dezembro de 2001, após a saída da paridade forçada entre dólar e peso, quase 70 bilhões de dólares em depósitos de poupadores foram congelados nos bancos, uma reação impensada a uma corrida bancária  que, até aquele dia, havia levado a uma retirada de fundos de 22 milhões de dólares em menos de três meses. Chegou a haver tumultos nas ruas , com dezenas de mortes.

A Argentina entrou em uma crise política com quedas em série de presidentes da República: Fernando de La Rua renunciou em 21 de dezembro de 2001, após um governo de 2 anos e 11 dias. Adolfo Rodrigues Saá, seu sucessor, durou apenas 7 dias no cargo, renunciando em 31 de dezembro de 2001, não sem antes dar um calote de mais de 100 bilhões de dólares, a maior moratória da história contemporânea, no dia 24 de dezembro de 2001.

Apesar do calote, que depois foi renegociado, a Argentina chegou a passar por período de crescimento econômico criado pelo super ciclo das commodities trazido pelo crescimento chinês, que também beneficiou o Brasil. Mas nunca fez os ajustes econômicos necessários, escolhendo uma política monetária expansionista, que gera uma prosperidade transitória, mas cobra um preço alto no momento seguinte.

Entre as questões que a Argentina evita encarar estão uma economia cada vez mais informal, o desemprego, a escassez de reservas e liquidez para fazer frente aos pagamentos da dívida, ,o alto e déficit nas contas públicas, que se justificam politicamente, e para consumo político interno, por gastos governamentais com forte componente de assistência social, que permanecem intocados devido ao temor de enfrentar os poderosos sindicatos.

Então, a Argentina se mantém indefinidamente com uma política de mitigação dos problemas, tratando sintomas ao invés de combater a doença, buscando uma saída indolor para sua crise econômica. Que, infelizmente, não existe.

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