renminbi x dólar

Moeda da China, o renminbi,  pode disputar espaço com o dólar no comercio internacional ?

 

 

Existe possibilidade de o renminbi, nome oficial da moeda chinesa, que conhecemos popularmente como Yuan, disputar espaço com o dólar nas transações comerciais internacionais? Essa é uma pergunta que tem sido feita com mais frequência desde que o crescimento econômico da China a colocou como um rival sério dos Estados Unidos pela liderança política a econômica global.

O processo, caso ocorra realmente, seria semelhante ao que ocorreu quando a libra esterlina, a moeda do Reino Unido , era a mais respeitada do mundo durante todo o século XIX,  e o dólar americano não estava entre as primeiras opções como uma moeda internacional.

A mudança aconteceu paulatinamente, começando na I Guerra Mundial, quando, mesmo à frente do Império Britânico, o Reino Unido terminou o conflito sem condições de continuar liderando a economia global, e os Estados Unidos, que haviam entrado na Guerra na Europa aliados aos britânicos e franceses , abandonavam seu tradicional isolacionismo, e participavam mais ativamente do comércio internacional.

A transição da libra esterlina para o dólar se completou após o fim da II Guerra Mundial, quando os Estados Unidos, além de emergirem do conflito como um dos grandes vencedores, e maior potência econômica, militar, e consequentemente política, do planeta, financiaram a reconstrução do Japão e da Europa, através de ações como o Plano Marshall.

Em que moeda é feito o comércio internacional hoje

Apesar de desde a o fim da II Guerra Mundial o dólar ser a principal moeda do comércio internacional, não é a única.  Além da moeda dos Estados Unidos,  as do Canadá (dólar Canadense), União Europeia  (euro) e Reino Unido (libra esterlina) também são utilizadas, e todas juntas, representam mais de 85% do comércio internacional.

A moeda chinesa no comércio internacional

O aumento do uso da moeda chinesa, o renminbi, no comércio internacional não ocorreu na mesma proporção que o aumento do peso do gigante asiático no comércio internacional. Desde 2001, o comércio de bens da China cresceu mais de 10 vezes, tornando-a o maior comerciante individual do mundo. No mesmo período, uso do renminbi em negociações forex chegou a mais de 6% das operações, tornando-a a sétima moeda mais negociada no mundo.

É um crescimento substancial, mas não proporcional ao peso chinês no comércio mundial.

Países que utilizam o renminbi, a moeda chinesa, no comércio internacional

A própria China sempre utilizou  o dólar em suas transações internacionais, e o uso do renminbi (yuan) não era cogitado seriamente fora de suas fronteiras. Entretanto a ascensão econômica chinesa, com o consequente aumento da credibilidade de sua moeda, somada aos atritos políticos e  guerra comercial com os Estados Unidos,  fizeram a China apressar o processo de internacionalização de sua moeda, para evitar a exposição em dólar americano.

Entre os países que tem realizado trocas comerciais com a China em renminbi estão a Rússia,  um peso-pesado militar e geopolítico, Paquistão, e outros países da Ásia Central, Myanmar, Angola e o Irã, que sob sanções americanas, têm muito interesse em não depender do dólar para fazer transações internacionais. Na América do Sul, a Argentina, desde 2014, tem um acordo com a China para utilização de suas moedas nacionais nas transações econômicas.

A estratégia chinesa para internacionalizar o renminbi

Promover o uso do renminbi no comércio internacional tem sido uma parte crítica dos esforços da internacionalização da moeda.

A China teve algum sucesso nessa frente, em função do estabelecimento dos acordos bilaterais de swap de moedas, que fornecem aos países moedas estrangeiras e reduzem o risco de flutuações nas taxas de câmbio. Entre janeiro de 2019 e dezembro de 2020, a China assinou acordos de swap de moedas com um total de 36 países.

Os principais países que realizam as compensações, chamadas de clearing , são Hong Kong e Reino Unido, em Londres, mais especificamente.

SDR – Direitos Especiais de Saque

A China também empreendeu uma série de reformas para avançar para inclusão  do Renmimbi na cesta dos Direitos Especiais de Saque  – SDR – que é um ativo de reserva internacional criado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para complementar as reservas internacionais dos seus países membros.
Para ser incluída na cesta do SDR, uma moeda deve ser emitida por um grande exportador, critério objetivo que a China obviamente atende muito facilmente, e também devem ser livremente utilizáveis, uma avaliação um tanto mais subjetiva, nas negociações forex e no mercado internacional.

A adição do Renmimbi  à cesta do SDR em outubro de 2016 foi um passo objetivo muito importante para a moeda chinesa, pois a elevou a um patamar onde só estavam o dólar , o Euro, o Iene e a Libra Esterlina. E, simbolicamente, sem dúvida significa muito para a China, pois confere ao gigante asiático um status de “de direito”, que há muito tinha de fato, o papel de grande player econômico e político.

Investimento estrangeiro em Renmimbi

Outras iniciativas da China para internacionalizar o sua moeda incluem permitir que o investimento estrangeiro direto interno e externo seja recompensado em renminbi, estabelecendo Londres, conforme informamos acima, como o maior centro comercial fora da China.

O investimento estrangeiro em renminbi aumentaria ainda mais com a liberalização dos controles de capital na China, permitindo maiores fluxos de capital para dentro e para fora do país. Mas é algo a que o governo chinês ainda resiste, porque também exporia a China e sua moeda a uma maior volatilidade, algo especialmente verdadeiro devido ao sistema financeiro do país ainda estar em desenvolvimento.

Criptomoeda chinesa com garantia do Estado

A China pode se tornar o primeiro país do mundo a introduzir uma moeda digital apoiada e principalmente garantida pelo Estado. A criptomoeda chinesa  é uma verdadeira quebra de paradigma a respeito das criptomoedas, e um incentivo a investidores que tem mais aversão ao risco, o que é absolutamente compreensível, a enxergarem criptomoedas de uma forma mais positiva.

O banco popular da China anunciou sua moeda digital. O DCEP (Pagamento eletrônico de moeda digital) poderá ser trocado por renminbis e será distribuído por bancos estatais e por empresas de pagamentos digitais, tais como Alipay e WeChat. Os usuários irão comprar os DCEP, armazená-los em uma carteira digital e trocá-los por bens e serviços.

A China está tentando se estabelecer como líder em tecnologia de pagamentos, e pretende consolidar essa posição ao lançar uma moeda digital que tem a garantia de um Estado soberano. Tal movimento seria um avanço na tecnologia de pagamentos, pois traz benefícios como compensações instantâneas e até pagamentos “off line”.

A relação da internacionalização da moeda chinesa com a imagem do país

Tanto os acordos que a China fez com outros países para o uso do renminbi para o comercio internacional, passando pela inclusão da moeda nas cesta do FMI de Direitos Especiais de Saque – SDR, até o lançamento de sua moeda digital com a chancela e a garantia do Estado Chinês podem ser vistos também como parte de uma estratégia de promoção de uma imagem positiva da China.

E essa estratégia para promoção e, digamos, posicionamento da marca, aplicando livremente um conceito de marketing para a imagem de um país, é bastante sofisticada, porque dialoga com vários públicos diferentes.

EUA x China – dólar x renminbi

Apesar do efeito novidade de ser a primeira entre as grandes economias do mundo a lançar sua moeda digital, um passo que outras grandes economias inevitavelmente seguirão, em algum momento, contar a favor do posicionamento que a “marca China” quer ter no mundo, isso aumentará apenas marginalmente a popularidade da moeda chinesa, não levando, necessariamente, ao aumento repentino do seu uso.

O dólar permanece como a moeda mais usada como reserva pelos governos dos principais países do mundo, inclusive do Brasil, e é utilizado em 60% de todas as transações comerciais internacionais, seguido do euro, com 20%.

O renminbi pode substituir o dólar um dia?

Com o perdão do trocadilho infame, essa é a pergunta de 1 milhão de dólares. E não pode ser respondida através de análises contaminadas pelo viés ideológico que sempre surge quando se fala da disputa entre Estados Unidos e China.

Prever o que pode acontecer no futuro continua uma profissão tão ingrata quanto sempre foi, mas a melhor maneira de ter ao menos um rascunho de resposta, seria apelarmos às análises sobre processos semelhantes que ocorreram no passado, como o que já citamos no primeiro parágrafo, quando o dólar substituiu a libra esterlina como a principal moeda internacional.

Como muitas outras coisas que acontecem em economia, o uso de uma moeda é um comportamento humano aprendido. A moeda funciona porque tanto quem está dando, como quem está recebendo acreditam que aquele pedaço de papel vale o que está impresso nele. E sabem que outros também acreditarão nisso, de modo que a moeda possa continuar sendo utilizada para ser trocada por algo que as pessoas desejam.

Para que as pessoas passassem a acreditar mais no dólar do que na libra esterlina, foi preciso mais do que o tamanho militar, econômico e político dos Estados Unidos ser refletido em sua presença nas transações internacionais. Foi necessário também que o Reino Unido lutasse duas guerras mundiais, e saísse tão exaurido delas, especialmente da segunda, que  não pudesse manter sua pujança econômico, a ponto de inclusive, não conseguir manter o Império Britânico.

O crescimento chinês é um fato incontestável, e colocou os Estados Unidos na posição de ter um rival à altura, coisa que não acontecia desde que a Guerra Fria acabou e a União Soviética entrou em colapso. Mas a única conclusão a que podemos chegar com isso é que o poder relativo dos norte-americanos diminuiu. Somente isso. Nada indica que os Estados Unidos possam se exaurir como aconteceu com o Reino Unido após o fim da II Guerra Mundial.

Então, podemos sim esperar um crescimento do uso do Renmimbi nas transações internacionais. Mas uma completa substituição do Dólar por esse dependeria de uma mudança de cenário tão radical, que não aparece no horizonte previsível.

Agradeço às inestimáveis contribuições nesse artigo da professora Tatiana Prazeres, Senior Fellow at the university of International Business and Economic -Beijing

Comments are closed.