Moscou encerrou o acordo firmado meses atrás, com mediação da Turquia e da ONU, que permitia a exportação de grãos da Ucrânia para a Europa, África e Oriente Médio. No período de um ano em que esteve vigente, foram exportados cerca de 32 milhões de toneladas de alimentos, evitando a crise alimentar mundial. Quais as consequências do fim do acordo com a Rússia que permitia as exportações de alimentos da Ucrânia para o Brasil e o Mundo?
Como era o acordo que permitia as exportações de alimentos da Ucrânia
Único acordo firmado entre Rússia e Ucrânia desde a invasão que começou em fevereiro de 2022, o acordo permitia a exportação de produtos agrícolas ucranianos através do Mar Negro sem a interferência das forças russas, garantindo assim que países pobres, como os da África e Oriente Médio, recebessem alimentos.
Esse acordo ajudou os preços internacionais dos grãos se reduzissem em 20% no período em que esteve vigente.
Por que a Rússia encerrou o acordo de exportações de alimentos ucranianos?
A Rússia encerrou o acordo porque suas exigências para melhorar suas próprias exportações de grãos e fertilizantes não foram atendidas. E afirmou também que os grãos ucranianos não chegavam em quantidades suficientes aos países pobres que deveriam atender.
Para a renovação desse acordo, a Rússia exige que os obstáculos colocados desde a invasão da Ucrânia às suas exportações de produtos agrícolas e fertilizantes sejam retiradas. Se não se chegar a um novo entendimento, a crise alimentar mundial voltará a castigar os países já mencionados acima.
No curto prazo, estima-se que não haverá falta de grãos, mas no médio e longo prazo, poderá haver falta, com repercussões para o aumento da inflação mundial.
Consequências para o Brasil
Com uma safra recorde, há possibilidade de o Brasil conquistar mais mercados para seus produtos agrícolas. Por outro lado, também aumentariam os preços internos, causando uma pressão inflacionária que dificultaria a queda da Taxa Selic, considerada uma condicionante para a queda dos juros no Brasil, um fator fundamental para a retomada de um crescimento econômico mais vigoroso.
Com relação aos fertilizantes, um insumo estratégico para o nosso agronegócio, o Brasil manteve as importações da Rússia nesse último anos, mas diluiu os riscos, comprando também de outros países fornecedores.
As razões da Rússia
Essa é uma questão sobre a qual podemos apenas especular, mas que podemos tentar entender com base no contexto em que aconteceram tanto a celebração do acordo , quanto seu encerramento.
Quando a guerra se iniciou, é bastante razoável supor que a Rússia acreditava em uma vitória relativamente rápida, mas que afetaria suas relações com vários países do mundo. Nesse contexto, um gesto de caráter humanitário, como facilitar a exportação de alimentos, seria bom para sua imagem e beneficiaria sua diplomacia, quando esta estivesse se posicionando no pós-conflito imaginado por Moscou.
Como sabemos, não foi dessa maneira que a situação se desenrolou, com a Ucrânia, apoiada pelos Estados Unidos e países europeus, impondo uma forte resistência e um confronto muito mais desgastante do que os estrategistas russos imaginavam antes de iniciar a invasão.
Não temos informações sobre a situação política interna da Rússia, o que abre a possibilidade para algumas análises. Uma linha de raciocínio é que o desgaste militar na Ucrânia, somado ao efeito de sanções econômicas, estaria deteriorando o moral russo, que, mesmo com o auxílio que recebe da China, precisaria da receita das exportações para oxigenar sua própria economia.
Essa deterioração explicaria a recente rebelião de Yevgeny Prigozhin, que, embora tenha sido rapidamente neutralizada através de negociações, com o líder do grupo mercenário Wagner se exilando na Bielorrússia, mostrou o que poderia ser um sinal de fraqueza no governo russo.
Fim do acordo de exportação de alimentos ucranianos pode ser parte de uma nova estratégia russa
Embora um desafio tão ostensivo ao poder de Vladimir Putin seja uma novidade na política russa, é muito cedo para se decretar o ocaso do governante, no poder desde 1999. Pode ser, na verdade, uma nova estratégia, de prejudicar os interesses de países que apoiam a Ucrânia.
Há relatos de que combatentes do mesmo Grupo Wagner estariam envolvidos no golpe de Estado que derrubou o presidente do Niger, na região do Sahel, na África, o que tem o potencial de criar um conflito maior na região, já que países da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental assumiram posição clara a favor do presidente deposto e Burkina Faso e Mali apoiaram o outro lado, ambos dando declarações fortes.
Os Estados Unidos e países da Europa Ocidental, que são os principais apoiadores, e garantem o esforço de guerra ucraniano, são direta ou indiretamente prejudicados por ambas as situações. A falta de grãos ucranianos no mercado tem o potencial inflacionário em todo o mundo, e a entre os países europeus ocidentais, a França, por exemplo, tem grandes interesses econômicos em suas ex-colônias, como o Niger.
Somados ao fato de que a aguardada contraofensiva ucraniana tem progressos lentos, já que o Exército Russo preparou suas defesas, o conflito tende a se estender indefinidamente.
Seria razoável supor que, da mesma maneira que a guerra é custosa e desgastante para a Rússia, faça parte de uma nova estratégia de Moscou torná-la também mais custosa e desgastante para os países que apoiam a Ucrânia, pensando, inclusive, em qual seria a posição de Rússia, Ucrânia, e seus respectivos aliados em eventuais negociações de paz.
Conclusão
Há necessidade de esforços diplomáticos para evitar a crise da insegurança alimentar, e eles têm boa chance de sucesso. O conflito no Leste europeu, entretanto, parece longe de acabar.