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Moeda única no Mercosul não é prioridade. Ou possibilidade real.

A ideia de instituir uma moeda única no Mercosul foi levantada recentemente pelo embaixador da Argentina, sendo, acertadamente, em seguida desmentida pelo Ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad.

Nesse artigo, colocamos nosso ponto de vista sobre porque uma moeda única no Mercosul não é uma prioridade, ou possibilidade real. E também porque insistir nesse ideia faria com que nos desviássemos do foco de onde estão as grandes oportunidades para o Mercosul.

O próprio embaixador argentino, em seguida, explicou que a ideia não seria substituir as moedas nacionais dos países do Mercosul,  mas formatar uma moeda única para as transações comerciais entre eles, sem depender do dólar.

Independentemente das explicações e intenções, a polêmica já estava lançada. E como entre teoria e prática vai uma grande distância, o ministro fez bem em desautorizar a ideia, pois o complexo e demorado processo de instituir uma moeda única nos desviaria da verdadeira oportunidade para o Mercosul: receber as cadeias de produção que estão sendo desglobalizadas e remontadas em uma lógica de nacionalização e regionalização continental, sobre as quais já temos falado há pelo menos 2 anos.

Porque criar uma moeda única para o Mercosul seria complexo e demorado.

Para se criar uma moeda única para o Mercosul, que seria utilizada por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, teríamos de passar antes por todas as etapas de uma integração econômica regional, que seriam: Zona de livre comércio perfeita; União aduaneira com a adoção integral da Tarifa Externa Comum; Mercado comum, com livre circulação de pessoas e capitais; Harmonização de políticas macroeconômicas; Integração total das cadeias produtivas.

A situação do Mercosul Hoje

Zona de Livre Comércio: Não há no Mercosul uma Zona de Livre Comércio, com exceção do setor automotriz, regido por cotas, e do setor de açúcar, também administrado.

União aduaneira : Em relação à União aduaneira, há várias perfurações da Tarifa Externa Comum, com excepcionalidades de regimes especiais, como por exemplo, listas de exceções, ex-tarifários, reduções do imposto de importação para a Argentina, Uruguai e Paraguai para compras de bens de capital e equipamentos de terceiros países, entre outras perfurações.

Política Comercial Comum: Não há uma política comercial comum para terceiros países, nem no caso do setor do agribusiness, ponto forte do bloco. Esse, que aliás, será uma exceção nos processos de desglobalização econômica, seria um campo de atuação em que os quatro parceiros poderiam atuar em mais sintonia, uma oportunidade que todos os países da região vem deixando passar há tempos.

Aliás, pouco se avançou nos aspectos institucionais, que fazem com que os países do Bloco considerem o Mercosul um ator a ser considerado em seus interesses, e instância mais relevante nos acordos comerciais.

Se por um lado, há negociações em andamento com Singapura, Coreia do Sul, Canadá, Líbano e Tunísia, pelo outro o acordo comercial com a Mercosul – União Europeia está paralisado e o Uruguai quer fazer um acordo comercial individual com a China e países do Sudeste Asiático, quebrando as regras do Bloco e enfrentando fortes resistências do Brasil, Paraguai e Argentina.

União Monetária: Finalmente, não faz sentido falar em união monetária, como se chamaria quando vários países tem uma única moeda, quando a Argentina tem cerca de 14 tipos de câmbio para o dólar, instabilidade monetária e cambial, com reservas em moeda forte escassas, e inflação anual em 2022 projetada em 100%.

No caso brasileiro, há uma alta volatilidade cambial, e a inflação anual deve fechar ao redor de 6%. Alta para os padrões desejados, mas controlada, ao contrário do que ocorre com nosso vizinho.

Entretanto, mesmo que resolvêssemos todos esses problemas, o que seria uma condição necessária para uma união monetária no Mercosul, talvez não seja suficiente para que a ideia seja interessante para o Brasil, como explicaremos a seguir, fazendo uma comparação com a única união monetária conhecida, a criação da Zona do Euro, na União Europeia.

Brasil não está preparado para uma moeda única no Mercosul

Prever o futuro continua um ofício tão arriscado quanto sempre foi, mas se podemos aprender algo com a experiência passada da União Europeia é que o Brasil não está preparado para uma moeda única no Mercosul, e não tiramos essa afirmação de nenhum tipo de “complexo de vira latas”, ou coisa do tipo.

A União Europeia, que começou sua integração econômica com a Comunidade Econômica Europeia em 1957, assinou o Tratado de Maastricht para a criação da União Europeia 45 anos depois, em 2002, e levou mais 7 anos para a implantação do Euro, em 2009. Foram anos para a harmonização macroeconômica, com metas de inflação e fiscais, de acordo com o Tratado, e mesmo assim, nem todos os países da União Europeia adotaram o Euro.

Dos 27 países, atualmente membros da União Europeia ,visto que o Reino Unido saiu no célebre, ou infame, BREXIT, sem jamais abrir mão da Libra Esterlina, apenas 20 países usam como moeda o Euro, a saber: Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo,
Malta, Países Baixos, Portugal e a partir de 2023, a Croácia.

Já Bulgária, Romênia, República Tcheca, Hungria, Polônia, Dinamarca e Suécia optaram por utilizar suas próprias moedas.

Alemanha é o elo mais forte da corrente da União Europeia

Apesar de toda a lição de casa feita para permitir a integração econômica e monetária, ela não foi indolor. Mesmo tendo entre seus membros alguns dos países mais ricos do mundo, como Alemanha, França e Itália, manter uma moeda forte para todos os países que adotaram o Euro, em certos momentos teve altos custos, divididos entre todos os países membros, mas cuja maior parte da conte coube à Alemanha, o mais rico e industrializado do bloco.

Como alguns devem se lembrar, menos de 10 anos depois que o  economista-chefe da Goldman Sachs, Jim O’Neil cunhou o termo BRICS como o acrônimo que indicava Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul como economias emergentes e oportunidades de investimento, surgiu o termo PIIGS, que como você deve saber, significa “porco” em Inglês, se referindo à performance econômica muito ruim de Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha.

Trocadilhos cruéis à parte, o fato é que a partir de 2010, todos esses países precisaram de socorro econômico, inclusive da União Europeia. E a maior parte dessa conta coube justamente à Alemanha.

O que a Alemanha ganhou com muitos países adotando o Euro

O uso de uma moeda é um comportamento humano aprendido, que depende de percepção. As pessoas acreditam que uma moeda vale que há impresso nela, e sabem que outros também acreditarão nisso, porque existe algo que garante isso. E o que garante o valor do Euro é o Banco Central Europeu, e as economias às quais ele está vinculado, que usam e acreditam na moeda. Especialmente as mais fortes, como a Alemanha.

O Euro permitiu que todo o continente europeu, incluindo os países mais pobres e instáveis, tivessem a mesma moeda que as potências econômicas. Estas, por sua vez, conseguiram que mercados aos quais já estavam integradas logisticamente, tivessem uma moeda forte o suficiente para consumirem suas manufaturas.

Quando a Crise dos PIIGS eclodiu, a Alemanha, e os demais países ricos e industrializados do Bloco Europeu, não tinham muita alternativa além do socorro financeiro. Além de não interessar para eles que os mais frágeis quebrassem, se isso acontecesse, haveria também uma desvalorização brutal da moeda que eles mesmos usavam.

Foi um preço alto para manter a economia, e a política, estáveis no continente. Mas os europeus já pagaram preços muito mais altos na primeira metade do século passado, quando deixaram que crises econômicas desintegrassem o tecido social. E aprenderam com isso.

Porque uma moeda única para o Mercosul é inviável

Transportando a história, e as situações pelo qual os países da Zona do Euro passaram, e atribuindo à maior economia da América Latina, o Brasil, um papel correlato ao da Alemanha na União Europeia, será que o Brasil, que apesar de uma situação fiscal melhor que a maioria de seus vizinhos, ainda luta para se manter equilibrado, teria condições de recomendar, e até ajudar outros  países membros do Mercosul em um ajuste fiscal?

E se, mesmo após esses hipotéticos ajustes, mesmo assim houvesse percalços, como os que ocorreram com Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, o Brasil teria condições de socorrer financeiramente Argentina, Uruguai ou Paraguai, promovendo um resgate financeiro como o feito com esses países europeus na década passada?

Ou seja, é preciso mais que a vontade política de governos para uma união monetária. E para que uma moeda comece a ser usada em comércio internacional, aceita não somente por governos , mas também por pessoas e empresas, não basta querer. Isso extrapola o limite do poder dos governos.

Prova disso é que mesmo com todo o poder econômico, e consequentemente político, da China, o Renminbi, a moeda chinesa, que nós erradamente chamamos de Yuan, corresponde a apenas 6% das transações econômicas internacionais do mundo. 85% delas, por outro lado, acontecem em Dólar Americano.

Onde estão as oportunidades para o Mercosul

Conforme falamos anteriormente, os descomunais esforços e recursos necessários para uma empreitada que nem sabemos se é possível, e cujo retorno, caso acontecesse, seria totalmente incerto, nos desviariam da grande oportunidade que se apresenta para o Brasil e para o Mercosul, que é a reversão da globalização econômica, que está acontecendo no exato momento em que escrevemos esse artigo.

Durante a crise dos respiradores, no início da Pandemia, o mundo enxergou os riscos de concentrar a produção de qualquer item em um único lugar, por mais competitivo que ele seja. Fábricas que antes estavam na China e outras partes da Ásia estão sendo movidas para outros países mais próximos dos centros consumidores, quando não para os próprios, mesmo que os custos de produção neles sejam mais altos, em nome da segurança logística.

Já tendo um arcabouço legal de integração, que sim, precisa ser aperfeiçoado, e alguma integração logística, que tem grandes possibilidades, inclusive se pensarmos em navegação de cabotagem, o Cone Sul é um forte candidato a concentrar grande parte da produção industrial da América do Sul.

Uma oportunidade e um alerta

Essas oportunidades criadas pela desglobalização econômica apareceram porque desde 2020 ocorreram dois fatos inesperados e imprevisíveis: a pandemia, e mais recentemente, a invasão russa na Ucrânia.

Mas cabe o alerta de que as oportunidades não ficam esperando eternamente para serem aproveitadas.

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