A Tesla, montadora de carros elétricos do visionário Elon Musk é uma das empresas mais inovadoras do mundo. Em novembro de 2021, o valor da empresa atingiu 1 trilhão de dólares, confirmando sua a posição como a montadora mais valiosa do mundo. E como uma empresa de vanguarda, a localização de sua nova fábrica pode indicar também uma nova fase, descentralizada, da globalização econômica.
A Tesla tem 3 fábricas, de onde saíram as 509.737 unidades produzidas em 2020 : duas nos Estados Unidos, em Nevada e Nova Iorque, e uma na China, em Xangai. A nova fábrica da Tesla, nos arredores de Berlim, Alemanha, será inaugurada 2022. Esses locais fora dos Estados Unidos, país de origem da montadora, são localizações chave. E podem indicar a nova fase da globalização econômica, que influenciará a estratégia de longo prazo das empresas globais.
A nova fase da globalização econômica
Até 2019, parecia uma tendência consolidada e irreversível que a China, ou países próximos a ela, onde há forte presença das empresas chinesas, se manteriam por um longo tempo como as grandes fábricas do mundo, devido aos baixos custos de produção.
Além do custo em si ser mais baixo, a China, especialmente, desenvolveu uma poderosa estrutura logística que permitia que produtos fabricados ali chegassem aos seus portos, e de lá fossem embarcados em navios que percorriam milhares de quilômetros por mar até qualquer país do mundo, e tendo preços finais que os fabricantes locais tinham muita dificuldade em conseguir competir.
Mesmo as ações e estímulos de países como os Estados Unidos e até o Japão para que empresas saíssem do território chinês, sob alegações diversas, mostraram pouco resultado. Afinal, independentemente das disputas entre Estados Unidos e China pela liderança econômica, política, e até militar do mundo, empresas privadas precisam ter lucro, e para isso, precisam vender seus produtos.
Nenhuma empresa global de bem manufaturados que pretenda continuar existindo, e sendo relevante, nas próximas décadas, pode se dar ao luxo de não priorizar o mercado chinês, com mais de 1 bilhão de habitantes, sendo que 400 milhões de pessoas têm padrão de consumo de classe média.
A crise logística mundial, o início.
A crise mundial criada pela pandemia de Covid-19, e o caos logístico que vivemos no pós-pandemia, que dificulta a recuperação econômica, lembrou a todos que logística é uma palavra vinda das academias militares, onde os especialistas na área há séculos estudam as melhores maneiras de transportar com segurança equipamentos e suprimentos a tropas que estejam no front de algum conflito armado.
Mesmo com o desenvolvimento da tecnologia, ao longo de séculos de estudo sobre o assunto, os especialistas no assunto consideram imutável o fato de que quanto mais longa é uma linha de abastecimento, mais vulnerável ela é.
A crise dos respiradores e EPIs
Um dos momentos mais dramáticos da pandemia foi o seu início, quando hospitais do mundo inteiro precisavam desesperadamente de respiradores. Essas máquinas, para os padrões da indústria de equipamentos médicos, eram consideradas um item de baixo valor, cujo preço de venda não compensava os custos de produção nos Estados Unidos, Europa, ou mesmo no Brasil.
90% da produção de respiradores do mundo acontecia em Wuhan, na China, justamente onde a pandemia começou, causando uma escassez global do item e levando a uma disputa entre países pela compra dos poucos itens disponíveis no mercado, assim como aconteceu com os EPIs, equipamentos de proteção individual, como máscaras e luvas, também fabricados em sua maioria, na China.
O preço desses itens disparou no mundo inteiro, e mesmo para quem estivesse disposto a adquiri-los com custos super inflacionados, muitas vezes não era possível acha-los para compra.
Da globalização para a regionalização continental
A lição da crise dos respiradores, mesmo levando em consideração que Wuhan, onde esses aparelhos são fabricados, é o lugar onde a crise eclodiu, e foi o primeiro a parar mostrou a vulnerabilidade da produção mundial de manufaturados ser concentrada na China e países vizinhos, e viajar milhares de quilômetros por mar para os outros mercados do mundo.
Recorrendo novamente à sabedoria dos especialistas militares em logística, é uma linha de suprimentos longa demais, muito vulnerável, com muitas possibilidades de algo dar errado, como de fato, deu.
A questão é o que fazer para diminuir essa vulnerabilidade, porque produzir tudo internamente, sem depender de importações, como defende, inclusive, certa linha do pensamento econômico brasileiro, simplesmente não é opção. A experiência já mostrou isso. Ao longo do século XX, países como Índia, Brasil e Argentina fecharam seus mercados e dificultaram importações, com o objetivo de incentivar suas indústrias nacionais.
Os resultados foram muito aquém do que poderia ser considerado satisfatório. Protegidas da concorrência internacional , muitas empresas desses países não mantiveram qualidade e preço para serem competitivas internacionalmente, e os consumidores também foram prejudicados, pagando preços mais altos por produtos ou serviços de qualidade inferior.
A regionalização continental é uma adaptação da globalização econômica
A solução para evitar um impasse parecido com a crise dos respiradores é a regionalização continental, em que a produção mundial de um determinado item, que antes ficava concentrada em um único lugar, no caso a China, por uma questão de custos, é descentralizada , tendo pelo menos uma unidade de produção em cada região do mundo, onde isso seja operacional e financeiramente viável.
Isso explicaria a localização estratégia das fábricas da Tesla, muito próxima aos mercados mais importantes para a montadora.
A planta de Berlim provavelmente atenderá os consumidores da Alemanha e de outros países da Europa, A da China, o gigantesco mercado chinês, e eventualmente outros mercados interessantes da Ásia, como Índia, Japão e Coréia do Sul, enquanto as fábricas nos Estados Unidos atenderão o mercado norte-americano, além do Canadá e América Latina, incluindo o Brasil.
O Brasil poderia ter uma fábrica da Tesla?
A resposta é não. O mercado de carros elétricos no Brasil ainda é um nicho formado por poucos consumidores de alto poder aquisitivo, que não justificou a abertura de uma concessionária da Tesla em território brasileiro, quanto mais uma fábrica. E mesmo o mercado do Mercosul, e da América Latina como um todo, não seria o suficiente.
As vantagens e os limites da regionalização continental
Com várias fábricas em vários continentes, ao invés de uma na China ou em outros países próximos, com custos de produção mais baixos, abre-se mão, em um primeiro momento, da vantagem competitiva do baixo custo em troca da segurança de que, se algo semelhante à Covid-19 em Wuhan acontecer novamente, não haverá uma paralisação em escala mundial da produção de um determinado bem.
Mas não se pode esquecer que mesmo buscando não correr esse risco novamente, a estratégia da regionalização continental esbarra em limites muito claros, de que certos países são muito mais competitivos que os outros na produção de certos itens. E que mesmo com investimentos, nem sempre é possível alcançar o grau de excelência que eles alcançaram.
A fabricação de chips semicondutores, importantes tanto para a indústria de tecnologia da informação, como para a da própria indústria automobilística, que usamos como exemplo nesse artigo, está concentrada em Taiwan e Coréia do Sul.
Existem oportunidades na regionalização continental
Conforme já apontávamos, ainda em maio de 2020, portanto no início da crise do Covid-19, a regionalização continental é uma tendência colocada, que causará uma redefinição do conceito de globalização econômica. Pela posição que o Brasil tem no Mercosul e na América Latina como um todo, além do tamanho do nosso mercado, essa tendência trará oportunidades. Caberá às empresas internacionalizadas saber aproveitar.