mundo depois do coronavirus

Haverá uma nova ordem econômica mundial após o fim da pandemia de coronavírus ?

Após o fim da pandemia de coronavírus, veremos um gradual retorno à normalidade econômica e social a qual estávamos acostumados? Ou a crise do  Covid-19 será o motor de aceleração de um processo de destruição criativa que resultará na mudança das relações sociais e econômicas não somente entre as pessoas e empresas, mas entre países?

Destruição criativa é um processo descrito pelo economista austríaco Joseph Schumpeter no clássico da literatura econômica “Capitalismo, socialismo e democracia”. Segundo Schumpeter, o capitalismo não é um sistema estático, mas um que está em constante mudança, com evoluções tecnológicas criando formas mais eficientes de produção ou até novos produtos.

Esse processo é chamado de destruição criativa, porque ele provoca que a antiga forma de produção ou o produto que ficou obsoleto caia em desuso até ser extinto e substituído pelo novo. Um exemplo seria como os computadores substituíram as máquinas de escrever ou a luz elétrica substituiu os lampiões a gás.

Esse conceito é válido para tentar entender as mudanças que vão acontecer no mundo porque a pandemia de coronavírus é o tipo de situação extrema que obriga pessoas, empresas e governos a abraçarem rapidamente mudanças que levariam muito mais tempo para acontecer de forma natural ou que tenderiam a ser postergadas por razões políticas, econômicas ou culturais.

Conhecer esse conceito não nos permite prever o futuro, obviamente. Essa continua sendo uma arte tão ingrata quanto sempre foi. Mas nos chama a atenção para os setores e indústrias que poderão ser afetados de forma mais profunda e rápida. Vamos citar alguns deles.

Petróleo

A indústria petrolífera passa por uma crise inédita em sua história. Desde que o automóvel foi inventado, no fim do século XIX, o consumo de petróleo só aumentou, com o preço do barril de petróleo se mantendo em um valor interessante para os países produtores e as companhias petrolíferas. Mas, desde que a crise do coronavírus se instalou, isso mudou.

Para conter a pandemia, vários países tomaram medidas de isolamento social, quarentena e até lockdown, restringindo a circulação de pessoas e veículos nas cidades, entre elas, e até entre países, cancelando voos comerciais. O consumo desse combustível fóssil e seus derivados caiu a níveis nunca vistos, fazendo com que os preços despencassem.

Em um primeiro momento, quem podia se estocou ao máximo. Mas a oferta ficou tão superior à demanda que os contratos de petróleo em mercado futuro, que davam o direito a comprar petróleo a um preço pré-acordado se tornaram negativos. Ou seja, se o produtor quisesse que o comprador ficasse com a mercadoria, teria de pagar a ele.

Na prática, o comércio parou e os preços estão muito baixos.

A Industria do petróleo após o fim da pandemia

É razoável supor que os países produtores de petróleo farão acordos para diminuir a produção e tentar fazer os preços subirem. O que não se sabe é o quanto isso vai funcionar, porque simplesmente não há um histórico de situação parecida em que se basear. Mas é o único instrumento de que dispõem para isso.

Também existe a dúvida de, com a atividade econômica retornando paulatinamente, sem uma indicação mais concreta de quando retomará o ritmo de antes da crise, e com os grandes consumidores super estocados, quanto tempo o petróleo levará para retomar um valor de mercado interessante para todos os países produtores.

Quanto mais dependentes do petróleo forem as economias dos países, mais afetados pela queda do preço eles serão. Os países do Golfo Arábico podem apelar para os seus fundos soberanos para manter a segurança alimentar e a estabilidade social. Mas, países que não têm esse colchão financeiro tendem a sofrer ainda mais com a crise. Os resultados são imprevisíveis.

Energia limpa

O cenário pode mudar também para as indústrias de energias renováveis, como a eólica, hidrelétrica e solar, que são influenciadas pelo que acontece na  indústria do petróleo, porque seriam suas pretensas substitutas em uma nova matriz de energia limpa, de baixo impacto ambiental.

Todas essas formas de geração de energia estão ainda em um estágio de desenvolvimento tecnológico e recebendo investimentos, inclusive na forma de subsídios. A viabilidade desses investimentos pode ser questionada se  preço do petróleo se mantiver atrativo por muito tempo.

Por outro lado, a quarentena ocasionou enorme diminuição das emissões de poluentes, como pode ser observado pelos habitantes das grandes cidades nas cores do pôr do sol. Essa diminuição oferece aos cientistas a oportunidade única de coletar dados sobre seus efeitos em todos os fatores apontados como responsáveis pelas mudanças climáticas.

Dependendo do que essas pesquisas apresentarem, pode-se ter argumentos ainda mais contundentes em favor do investimento na geração de energia de baixo impacto ambiental.

 

Relações de trabalho

Os hábitos de trabalho e as relações entre trabalhadores e empresas já estavam em um processo de mudança, trazidos pelas possibilidades da tecnologia e a busca por mais produtividade. Mas a adoção do sistema de trabalho home office esbarrava em barreiras culturais, tanto por parte das empresas como dos próprios colaboradores.

Muitos gestores rejeitavam a ideia por acharem necessário estar no mesmo local físico para orientar e liderar uma equipe. Da mesma maneira, muitos colaboradores não apreciavam o home office pela dificuldade de serem produtivos trabalhando em suas residências ou até temendo por sua qualidade de vida, pois não haveria mais limite entre horário de trabalho e de descanso.

Mas com a crise do coronavírus e a quarentena, não houve opção além do home office para quem precisava se manter trabalhando e produzindo. Empresas e colaboradores foram obrigados a passar pela experiência, e isso poderá acelerar muito a migração para novas formas de relação de trabalho.

Globalização econômica

Até o último dia antes da pandemia de coronavírus, a globalização havia alcançado um estágio em que a China se colocava como a grande fábrica do mundo, com custos de produção e de logística imbatíveis para competidores em outros lugares do mundo.

As fragilidades desse sistema de organização da produção foram expostas pela falta de respiradores, equipamento hospitalar imprescindível para o tratamento de doentes graves de covid-19.

Por ser um equipamento de baixo custo de produção e, em situações normais, baixo preço de venda, além de não ter nenhum tipo de complexidade tecnológica, para os padrões dessa indústria, a maioria dos fabricantes optava por produzir na China por uma vantagem econômica. E até a crise começar, não havia razão para fazer diferente.

Quando esse equipamento se tornou uma arma estratégica para combater o coronavírus, mesmo os países que tinham o dinheiro necessário para adquirir o item, não o conseguiam. Não porque as empresas chinesas não quisessem vender, mas porque a China foi o primeiro país a ser afetado e a demanda explodiu acima da capacidade de produção e entrega imediata.

Independentemente da conjunção de problemas que causou a escassez de respiradores, e da probabilidade de uma situação como essa se repetir tão cedo, a globalização econômica, como a conhecíamos até então, foi colocada em xeque.

 

 

Um mundo menos globalizado e mais protecionista?

A crise do coronavírus fez os cidadãos de países ricos e desenvolvidos se sentirem vulneráveis e atemorizados. E seus governos, impotentes para resolver o problema. Por isso, muitos países procurarão implementar novas políticas industriais, estimulando a produção interna, especialmente em setores estratégicos.

Mas, entre a intenção de criar um sistema de produção que evite que um problema como esse com os respiradores se repita no futuro, e a elaboração e implementação de planos viáveis, há antes perguntas a serem respondidas.

A primeira delas é como estabelecer um critério claro para definir o que será considerado setor estratégico. Hoje, as fábricas de respiradores sem dúvida são. Mas, após o fim da pandemia, ou o provável surgimento de uma vacina eficiente contra o Covid-19, é provável que esse equipamento volte a ser um item de pouco valor, uma commodity do setor médico.

O segundo ponto a ser levantado é, uma vez definidos que setores serão estratégicos, construir novas fábricas, ampliar ou modernizar as já existentes em cada país exige investimento. Eles farão parte de um Novo Plano Marshall, para recuperar a economia mundial? Ou seriam recursos de outra fonte? Em resumo, quem financiaria esse investimento?

Finalmente, é preciso observar que, independentemente do que a crise do coronavírus nos mostrou sobre os perigos de permitir que a produção de certos equipamentos seja concentrada em um único país, existe o perigo do isolamento econômico. É um conceito aceito como verdadeiro que economias fechadas tendem à estagnação no médio e longo prazo.

O Brasil, por exemplo, já foi um país muito mais fechado, com um mercado protegido, onde a importação de diversos produtos, de automóveis a computadores, era dificultada ou proibida. E ninguém afirmaria que essa proteção criou indústrias modernas e competitivas .Ou que os consumidores brasileiros foram beneficiados com produtos melhores ou mais baratos.

Independentemente do quanto essa tendência a um mundo e uma economia menos globalizadas se concretize, é importante lembrar que certas indústrias não conseguirão escapar do seu “determinismo natural”, pois as vantagens competitivas construídas por cada país ao longo de décadas não desaparecerão da noite para o dia.

Isso significa que, por exemplo, a Índia, continuará sendo uma referência mundial – e principal fornecedor –  em engenharia de softwares, porque possui uma imensa mão de obra qualificada nessa indústria. Assim como o Brasil continuará sendo o maior fornecedor mundial de alimentos, porque possuímos terras aráveis, clima favorável e pessoas qualificadas no agronegócio.

A China no mundo pós coronavírus.

Um mundo mais protecionista, se a tendência se confirmar, dificilmente será um mundo com “menos China”. O gigante asiático será um dos grandes investidores em empresas de vários países, inclusive no Brasil. E continuará sendo uma grande compradora de nosso agronegócio, pois está muito longe da autossuficiência na produção de alimentos.

Então, mesmo que as regras do comércio internacional mudem em função da experiência com os respiradores na crise do coronavírus, e vários países estimulem suas indústrias nacionais, a inserção chinesa na economia mundial, e sua posição de protagonista no comércio e na política internacional não mudarão.

O papel do Estado na economia

De todas as destruições criativas que a crise do coronavírus trará, talvez a maior seja no papel do Estado na economia e na própria vida de pessoas e empresas.

A Covid-19 colocou os governos do mundo inteiro diante do desafio de ter que socorrer financeiramente empresas e famílias para evitar um caos econômico e social que pode causar muito mais estragos que a própria pandemia em si.

O Brasil passava por um processo de diminuir o tamanho do Estado e o seu custo para a sociedade. A crise coloca o país diante do seguinte dilema: diminuir o tamanho do Estado ou realmente reformá-lo e torná-lo eficiente, para atender ao desafio que vai se apresentar nos próximos meses e anos? E quanto desse discurso pode realmente ser tornado realidade?

O Estado no Brasil tem um histórico de ineficiência e corrupção que coloca um ponto de desconfiança na sua capacidade de ser o agente que fará os investimentos que o país precisa, como em saúde e infraestrutura, falhas que a crise do coronavírus escancarou. Assim como nos Estados Unidos, colocou em questão a falta de um sistema de saúde pública gratuito.

Mas o Estado é a única arma que temos para evitar que a crise traga o empobrecimento econômico e o caos social. Equipá-lo e fiscalizá-lo com todas as ferramentas que a tecnologia moderna oferece é a maneira que temos para fazê-lo funcionar para as pessoas que precisarão dele, mais do que nunca.

Novo Plano Marshall

Um novo Plano Marshall pode salvar a economia mundial do Coronavírus

A paralisação na atividade econômica causada pela crise do coronavirus está tendo efeitos comparáveis aos de uma guerra. Por essa razão, muitos estão chamando o plano de resgate econômico mundial necessário para impedir uma tragédia humana de proporções tão grandes quanto as causadas pela pandemia em si de novo Plano Marshall.

Por isso, vale a pena conhecer o que foi o Plano Marshall original, quem o implementou e a quem ele beneficiou. E, principalmente, qual a possibilidade real de o mundo repetir a dose de um remédio que já deu certo no passado. Fazendo uma comparação com o tratamento de uma enfermidade, algo tão no espírito dos dias atuais, quem são os médicos e os doentes.

O que foi o Plano Marshall

O Plano Marshall foi um plano de recuperação econômica elaborado pelo então secretário de Estado norte-americano, general George C. Marshall, para reconstruir os  países que foram praticamente destruídos na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), independentemente de que lado eles estivessem durante o conflito, do Eixo ou dos Aliados.

As razões da elaboração desse plano foi a lúcida percepção de que o que levou ao início da Segunda Guerra Mundial foram questões mal resolvidas no conflito de 1914-1918, como a atitude revanchista dos vencedores em relação aos vencidos, especialmente dos franceses em relação aos alemães.

A capitulação da Alemanha, oficializada no Tratado de Versalhes, impôs ao país uma série de restrições econômicas e o pagamento de pesadas indenizações de guerra, que levaram ao empobrecimento do povo alemão e ao surgimento de um  sentimento de injustiça. Esse foi o contexto explorado por Hitler para chegar ao poder, acabar com a democracia, começar a guerra e cometer todos os crimes que cometeu.

Mas, ao final da Segunda Guerra Mundial, o surgimento de novas versões do nazismo e do fascismo não eram a maior ameaça. O que os líderes das democracias ocidentais, como o britânico Churchill e o norte-americano Truman, que sucedeu a Franklin D. Roosevelt, falecido, perceberam era que a maior ameaça viria de um dos vencedores do conflito e aliado momentâneo: a União Soviética, uma ditadura socialista governada pelo brutal Josef Stalin.

Stalin contava com um grande ativo político nos EUA e Europa: Simpatia popular! Para justificar a aliança com os soviéticos perante sua opinião pública, os americanos suavizaram a imagem do ditador , que  na imprensa virou o “Tio Joe”, bravo e simpático líder por quem o mundo inteiro torceu fervorosamente na batalha de Stalingrado. E, tendo dominado toda a Europa Oriental, estava pronto para avançar sobre os países da parte ocidental, se a oportunidade aparecesse.

Para combater a influência de Stalin e impedir que a Europa Ocidental fosse tragada pela expansão do socialismo, o presidente dos EUA, Harry S. Truman, determinou que o secretário de estado, general George C. Marshall, elaborasse o plano de recuperação econômica dos países do Oeste Europeu, que recebeu o seu nome. O Plano Marshall consistia no investimento ao longo de 4 anos de US$ 13 bilhões, que em valores de 2019, seriam US$105 bilhões

O Plano Marshall contemplou 17 países: Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Grécia, Irlanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Portugal, Suécia, Suíça, Turquia, Reino Unido e a então Alemanha Ocidental. Em troca desse socorro financeiro, esses países deveriam diminuir barreiras alfandegárias, afrouxar as regulações produtivas e adotar procedimentos comerciais mais modernos.

Nota: Embora o Japão também tenha recebido uma ajuda financeira de 14 bilhões de dólares na época, essa ajuda não fez parte do Plano Marshall.

As Consequências do Plano Marshall

As consequências do Plano Marshall foram não só a recuperação, como o maior período ininterrupto de crescimento que as economias da Europa Ocidental já tiveram. Além disso, foi o início da integração que levou à criação da União Europeia que conhecemos hoje.  Os Estados Unidos, por sua vez, consolidaram sua posição de hegemonia econômica no mundo, após a Segunda Guerra.

O que seria o Novo Plano Marshall

Um Novo Plano Marshall seria baseado na premissa, corrente, de que a crise do coronavirus é realmente uma guerra, e após ela terminar, será necessário um grande investimento por parte dos governos dos países mais ricos do mundo para recuperar não somente duas economias, mas a de países mais pobres.

Nesse sentido, os Estados Unidos já anunciaram um pacote de US$ 2,2 trilhões, o equivalente a mais de dez porcento do seu PIB, de 19,39 trilhões de dólares, e o G20, o grupo dos 20 países mais ricos do mundo, dos quais o Brasil faz parte, anunciou uma injeção de 4,8 trilhões de dólares na economia mundial para evitar uma recessão de proporções catastróficas.

 

O novo Plano Marshall vai funcionar no mundo pós coronavírus?

Essa é a pergunta que todos se fazem. E é muito difícil de responder sem fazer antes outras perguntas. A única certeza é que existem grandes diferenças entre o mundo de 1947 e o de 2020.

A primeira diferença é saber se temos líderes à altura do desafio. Não foram poucos os países ricos democráticos em que as lideranças se mostraram vacilantes em entender a real ameaça da pandemia. Serão capazes de entender que guerra contra o coronavirus será seguida de uma emergência econômica mundial, que exigirá delas uma atuação decisiva? Nada indica que tenhamos hoje pessoas com a clareza de visão de Churchill, Roosevelt ou Truman.

A segunda diferença é saber a real condição dos países mais ricos de fazer esse resgate. Em 1947, Europa e Japão estavam arrasados, mas os Estados Unidos estavam praticamente intactos, com uma economia em pleno emprego. Hoje, todas as maiores economias foram afetadas pelo coronavirus praticamente ao mesmo tempo.

A terceira diferença se refere ao contexto. Ao fim da Segunda Guerra Mundial estava claro para os EUA que não ajudar a Europa e o Japão significava entregar esses países ao domínio da União Soviética. Hoje,  não existe mais um grande inimigo a ser enfrentado. Embora os EUA ainda sejam a grande potência mundial, e estejam sendo desafiados nessa posição pela China, até o momento a rivalidade entre esses dois países não chegou a nada parecido com o que foi a Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética.

Embora a China seja um país oficialmente socialista, há muito ela não tem interesse em exportar o seu sistema político ou inspirar revoluções em outros países do mundo, como a antiga União Soviética fazia. A China é hoje a grande fábrica do mundo, e a relação dela com os EUA, e com as demais economias do mundo é a de importar e exportar mercadorias, não ideologias.

Na verdade, o que o mundo espera é que sejam a China, o FMI e o Banco Mundial os protagonistas de um Novo Plano Marshall. Não somente porque são os únicos que podem fazê-lo, mas também porque esse é o tipo de missão para que organizações como essas existem. E porque a China teria interesse em projetar seu soft power como potência ascendente, coisa que já está fazendo com a chamada “diplomacia da máscara”, as doações de respiradores, EPIs e o envio de profissionais de saúde aos países mais afetados pela pandemia.

Se esse cenário se confirmar, resta saber qual será a atuação dos autores do Plano Marshall original. Ou seja, como os Estados Unidos reagirão a um novo e reforçado protagonismo chinês no mundo. Uma questão que, uma vez vencida a pandemia nos EUA, poderá ser de grande peso nas eleições presidenciais americanas, que ocorrerão em 2020.

O Comércio internacional no mundo pós-pandemia.

Outra questão que precisa ser observada é como será o comércio internacional nesse mundo pós pandemia do coronavirus. Ter a China como grande fábrica do mundo levantou algumas questões. Muitos países, inclusive o Brasil, precisaram de equipamentos para combater a pandemia, desde máscaras de proteção n95 até respiradores pulmonares, para tratar os doentes mais graves.

Como a maior fabricante desses itens é justamente a China, que foi o primeiro país a ser afetado pela Pandemia, hoje são produtos com altíssima demanda em falta no mundo inteiro. Com gravíssimas consequências. Essa dependência de um único país como principal, ou único, fabricante de produtos que o mundo precisa, e que se tornaram realmente estratégicos, levantou em todo o mundo questionamentos sobre o atual estágio de globalização, que podem levar a mais protecionismo, o que coloca um ponto de interrogação no papel que a China poderá realmente exercer.

A única certeza que temos é que com ou sem um novo Plano Marshall, o mundo não será o mesmo após a pandemia do coronavírus.

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Com o mundo alarmado, desafio de Bolsonaro ao coronavírus poderá ser desafio do agro pós-crise

Por Giovanni Lorenzon para o Money Times

31/03/2020 – 15:25

 

Comércio global já deverá cair 30%, com China crescendo menos, e o Brasil não pode criar problemas nas relações internacionais

A atitude negacionista do presidente Jair Bolsonaro sobre a extensão do risco sanitário do coronavírus, alarmando líderes mundiais e as agências multilaterais de combate à doença, ainda está por ser vista em termos de possíveis danos ao Brasil nas relações comerciais após a crise passar.

Como tudo que acontece hoje em torno da pandemia é sem precedentes, sem precedentes deverá ser o ‘novo’ mundo, inclusive sobre os níveis de pragmatismo comercial que vêm imperando até então.

O governo brasileiro não deve negligenciar os riscos de retaliações, nem também se sentar na competitividade do agronegócio e a dependência que muitas nações dele têm.

“As próximas três a quatro semanas serão cruciais”, complementa Marcos Jank, pesquisador e chefe do Insper Agro Global, se referindo ao prazo que a extensão da pandemia pode alcançar e se o discurso do presidente seguirá o mesmo, pedindo o fim do isolamento, ou se mudará o tom.

Um dos aspectos que Jank acentua é que a urgência sanitária à saúde humana, com a explosão da crise, deverá ter uma ponte automática com as questões sanitárias envolvendo agricultura e carnes.

O mundo vai olhar com lupa – mais do que já o faz – os produtos dos grandes fornecedores globais, como os do Brasil, concorda o especialista em relações internacionais do agronegócio.

O agronegócio brasileiro, de acordo com ele, tem um sistema sanitário forte, mas é muito exposto, como acontece com qualquer player e também pelos vários problemas gerados no passado, como o último, conhecido por Carne Fraca, por adulterações nas carnes.

Novos paradigmas

A FAO (agência da ONU para alimentação e agricultura) já abordou o tema com esse viés, tanto quanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) – que anda irritada com o governo brasileiro – deverá também cobrar posturas mais radicais de controle sanitários pelos grandes compradores.

“O mundo caminha para um comércio mais administrado (mais controlado), não há dúvida, e uma das questões futuras será as exigências que o novo coronavírus imporá nas relações”, diz. Ele também acentua o termo “novos paradigmas”.

Jank até 2019 foi coordenador do Asia-Brazil Agro Alliance, que representa a Unica (açúcar), ABPA (suínos e aves) e Abiec (carne bovina) em negociações naquele quanto do mundo, com escritório em Singapura, e naturalmente observa os movimentos da China.

E ficou preocupado quando o País protagonizou ruído com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) acusando a China de espalhar a covid-19 por culpa do regime comunista.

As arestas teriam sido aparadas, segundo o Palácio do Planalto divulgou após conversa de Bolsonaro com Xi Jinping, mesmo porque o momento crítico que o mundo vive não leva a outra situação. Mas até que ponto isso ficou no ‘caderninho’ dos chineses ninguém sabe.

 

Há vários caminhos que podem ser tomados indiretamente pela China. Abrir mais as janelas às exportações dos Estados Unidos, especialmente em carnes, roubando um pouco do mercado brasileiro, seria um deles, embora o pesquisador e professor acredite que o acordo comercial será muito abalado pelos acontecimentos atuais.

Pressões

Há que se lembrar que ainda há uma lista com mais plantas frigoríficas do Brasil, de todas as proteínas, para serem habilitadas pela China. E podem sofrer mais atrasos do que o momento conturbado já indica.

Outro ponto é a triangulação de pressões. A China está usando a pandemia na Europa e até nos Estados Unidos como diplomacia comercial, enviando ajuda, tanto quanto a Rússia.

E também poderá sofrer influências de líderes europeus no futuro para manter comércio com nações distantes do ideário do governo Bolsonaro, que inclui, entre outros, as questões ambientais também minimizadas.

 

A Europa não é totalmente dependente do agronegócio brasileiro como os Chineses, mas tem o fator influência a seu favor.

E, do ponto de vista mais direto, há o já esvaziado acordo Mercosul-UE, dependente de aprovação de cada país-membro, e que agora poderá ficar mais no limbo do que esteve após o governo ser igualmente negacionista com as queimadas em 2019, prevê o consultor em relações comerciais Michel Alaby, da Alaby & Associados.

“Até o Donald Trump mudou o tom de uns dias atrás, quando também minimizava a crise, e parou inclusive de criticar a China pela doença, tanto que há informações de que Pequim está enviando aparelhos respiratórios aos Estados Unidos”, analisa o consultor, hoje também da Associação Comercial de São Paulo, e especialista em Mercosul e países árabes.

Isso mostra, segundo ele, que o Brasil não pode correr risco de isolamento.

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Até a Argentina, com problemas econômicos piores que os brasileiros, aderiu antes que muitas nações ao lockdown completo – e ontem estendeu o prazo – e com certeza isto deverá ser visto com muita simpatia nas relações comerciais com a Europa, independente de Mercosul, além das negociações da dívida externa do país, lembra Alaby.

Mundo desconhecido

O certo mesmo é que a recessão mundial bate às portas e ficou mais evidente com a previsão da Organização Mundial de Comércio (OMC) de retração de 30% no fluxo mercantil, e isso é algo que foge a qualquer avaliação precisa de como será o rescaldo.

Tanto como Marcos Jank, Antônio Correa de Lacerda, presidente do Conselho Federal de Economia, igualmente acrescenta que nenhum país poderá se dar ao luxo de ter travas em seu comércio internacional.

 

Para economias em desenvolvimento, que podem ter um impacto avassalador, menos ainda, destaca o professor do Insper.

“Se prevalecer o pragmatismo comercial diante de que os grandes consumidores não são autossuficientes, talvez não atrapalhe tanto essa linha adotada pelo governo brasileiro de confrontar o combate ao coronavírus frente às ações emergenciais que a maioria dos países está adotando”, avalia Lacerda, também diretor da Faculdade de Economia da PUC-SP, para quem as pressões dos países desenvolvidos e da OMS para o governo brasileiro não relaxar as exigências protocolares no combate à pandemia são legítimas.

Mas como o mundo como o conhecemos não deverá ser mais o mesmo – e ainda estamos no escuro sobre o futuro – o economista deixa algumas portas abertas para cenários desconhecidos.

É mais ou menos o que quis dizer Pedro de Camargo Neto, vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e ex-negociador internacional tanto para governos quanto para entidades como ABPA e Abiec.

 

“Acho tudo muita especulação ainda. Existe uma antipatia com o presidente Bolsonaro, porém pode não se transferir no tempo para o país. A covid-19 pegou todo mundo de surpresa, vivemos um dia a dia desconhecido, portanto prefiro a cautela e dando um passo de cada vez”, complementa