Internacionalização de empresas no mundo pós-coronavírus

Internacionalização será fundamental para empresas brasileiras no mundo pós-coronavírus

Uma das maiores dúvidas dos gestores das organizações é entender como será o mundo pós-coronavírus , e o que devem fazer para se adaptar a ele. Para cada país haverá desafios diferentes, mas há razões para crer que, para as empresas brasileiras, a internacionalização será fundamental, mesmo que a tendência que parece estar se concretizando seja a de um mundo menos globalizado.

Embora internacionalizar para ser mais competitivo em um contexto de antiglobalização pareça ser um contrassenso em si, esse é um dos paradoxos que a covid-19 parece criar para o mundo que existirá depois dela, e está diretamente relacionada à escassez de respiradores e à posição da China como a grande fábrica do mundo.

Uma parte da tragédia dessa pandemia está na natureza do microrganismo. Uma mutação de um vírus conhecido, que por razões que os cientistas estão ainda buscando, se tornou mais letal e muito mais contagiosa, contaminou um cidadão chinês, e se espalhou rapidamente pelos cinco continentes. A devastação causada é algo que o mundo não via desde a chamada gripe espanhola, há mais de 100 anos.

O que precisa ficar claro é que se espalhar faz parte da natureza das epidemias, como podem comprovar os registros históricos de todas as que foram estudadas, e que um vírus não reconhece etnias, nacionalidades ou fronteiras. Querer atribuir ao novo coronavirus um ‘passaporte’ é algo que só dificulta a desejável cooperação internacional para combatê-lo.

Porque faltam respiradores.

O que tornou a Covid-19 tão letal não foi a falta do conhecimento de como tratar os doentes, mas a escassez mundial de aparelhos respiradores e equipamentos de proteção individual como máscaras, toucas e aventais. Inclusive para os profissionais de saúde, que em meio ao caos se viram sem o mínimo de condições de trabalho. Muitos se infectaram e destes, vários morreram. Uma tragédia dentro de outra.

Mas esses equipamentos não eram escassos por serem caros. Justamente o contrário. Para os padrões de suas indústrias, eles eram tão baratos que 90% de sua produção mundial foi concentrada na China, que ao longo de décadas de um planejamento admirável, montou cadeias de produção em que não só as fábricas de cada equipamento, mas de seus componentes, estavam lá ou em países vizinhos.

A ‘tempestade perfeita’ que devastou o mundo aconteceu, também, porque o primeiro país que foi atingido foi justamente o que produzia esses equipamentos. E se tornou totalmente impossível produzir e entregar, nos cinco continentes, mercadorias cuja demanda simplesmente explodiu repentinamente.

EUA X China

O novo coronavirus, entretanto, não é o único causador das mudanças no que conhecemos como globalização. Aparentemente, a pandemia acelerou uma tendência que já se apresentava, de relações mais tensas entre Estados Unidos e China, devido à disposição do país asiático de disputar com os norte-americanos a posição de maior potência econômica, militar e científica do mundo.

Diante do desafio aberto do gigante asiático, expresso no programa Made in China 2025,  a Casa Branca tem usado sua influência para frear o avanço chinês, com ações que vão desde o acordo comercial EUA X China a estímulos para que marcas norte-americanas parem de produzir na China e fundos de investimento não invistam em companhias chinesas.

Qual será o resultado dessa disputa de gigantes, somada às fragilidades da atual cadeia de produção mundial, expostas pela pandemia, ninguém sabe. O que parece certo é que as empresas de todos os países, inclusive do Brasil, devem se preparar para um cenário completamente novo.

O mundo pós-Covid-19 não será aquele desejado pelos críticos da globalização

Antes da pandemia, a grande maioria das críticas à globalização, e ao livre-comércio entre os países, se baseava no argumento de que países em que os custos de produção são mais baixos atraem as fábricas de diversos tipos de manufaturas, e que por isso, “roubam os empregos” de operários de países onde os custos de produção são mais altos, por fatores diversos. E o padrão de vida desses operários, e de suas famílias, cai.

Esse fato foi explorado de todos os lados do espectro ideológico. Tanto ativistas políticos anticapitalistas, quanto empresários incomodados com a concorrência de produtos estrangeiros, já usaram o argumento dos empregos para criticar a globalização e pressionar seus governos por medidas protecionistas.

Mas, apesar de a tendência indicar um mundo com mais protecionismo do que havia antes da Covid-19, se engana quem acredita que os principais países do mundo irão fechar suas economias, limitando importações e substituindo-as por produtos nacionais. Essas foram experiências pela qual países como o Brasil e  Argentina e Índia já passaram, e não ajudou a criar indústrias competitivas e consumidores bem atendidos.

Internacionalização tornará as empresas brasileiras mais competitivas.

Se existe uma tendência mundial protecionista, por que internacionalizar as empresas brasileiras, adaptando seus processos produtivo, administrativo, fiscal e tributário, além de relações com clientes, fornecedores e prestadores de serviço a padrões internacionais, tornando-as aptas a importar, exportar e ter filiais, escritórios  parceiros no exterior?

A resposta poderia ser porque isso as tornará mais competitivas. E ser competitivo em um cenário extremamente recessivo, como o que as empresas brasileiras vão encontrar na retomada das atividades, pode ser decisivo para a sua continuidade. Mas como já vimos, mesmo quando o mundo sair da recessão, os fatores que listamos no início desse texto criarão novos cenários, que podem inclusive se manifestar simultaneamente.

Menos globalização e mais regionalização continental

A falta de respiradores escancarou a fragilidade das cadeias de valor concentradas na China. Mas experiências anteriores de nacionalização total da produção de manufaturados também não foram bem sucedidas, porque mesmo um país com uma indústria diversificada, como o Brasil, jamais conseguiu ser competitivo em todas elas, que só sobreviviam sendo protegidas da concorrência internacional.

Um cenário possível nessa situação será a criação de novas cadeias produtivas regionalizadas, com cada etapa delas instalada no país do continente que for mais competitivo para ela. Isso não significará que as economias do mundo, com exceção da norte-americana, terão um viés anti-China. É muito provável, inclusive, que investidores chineses sejam convidados a participar.

Mas o que ninguém vai querer passar novamente é pela situação de precisar desesperadamente de uma mercadoria, ter o dinheiro para comprá-la e não conseguir, porque somente um país do mundo é capaz de produzir e entregar. E o mundo inteiro está na fila.

Mercado externo mais competitivo.

Um dos cenários possíveis para as empresas brasileiras é que, na retomada elas encontrem um mercado interno tão recessivo que acreditem ser esse um bom momento para buscar clientes no mercado externo. É uma excelente estratégia, e que pode e deve ser mantida, pois empresas internacionalizadas tendem a ser mais estáveis no longo prazo, podendo contar com o exterior quando o mercado doméstico está em baixa.

Mas não só elas podem ter essa ideia, mas seus concorrentes de outros países. Para conseguir competir com eles, além de todos os processos internacionalizados, as empresas brasileiras deverão ter produtos adaptados aos gostos e preferências dos consumidores de cada país para o qual quiserem exportar.

Novos competidores no mercado brasileiro.

Mesmo que as empresas brasileiras não queiram, precisem ou possam buscar o mercado externo, a internacionalização pode ser muito necessária. Em um mundo mais protecionista, grandes empresas exportadoras, como por exemplo, as chinesas, podem olhar para o mercado brasileiro, e seus 200 milhões de habitantes, como uma maneira de compensar os consumidores que podem perder no mercado americano.

A internacionalização pode tornar as empresas brasileiras mais competitivas para defender a sua participação no mercado doméstico, tendo não somente um processo produtivo competitivo em termos de custo, como produtos com a mesma qualidade dos competidores estrangeiros, pois com mercado recessivo, ou não, o consumidor será ainda mais exigente em termos de qualidade dos produtos que compra.

combate ao coronavirus

Falta de cooperação internacional prejudica combate ao coronavírus

A crise do coronavirus está causando imensos prejuízos a todas as economias do mundo. Mas, além das perdas humanas e econômicas, o mundo globalizado que conhecíamos pode ser mais uma das vítimas fatais da pandemia. E isso não se deve somente à ação do vírus, mas a uma falta de cooperação internacional que se deve à visão de mundo de líderes populistas, que antecede o Covid-19, e a crise sanitária exacerbou.

A falta de confiança reina em todos os países, e a pandemia parece ter instalado uma espécie  de “lei da selva”. Além das proibições várias de exportações de produtos médicos e alimentares, vemos países tentarem comprar equipamentos médicos e não conseguirem, porque outros cobrem a oferta, desfazendo contratos fechados, ou simplesmente confiscam os equipamentos.

A disputa entre as grandes potências mundiais por influência política e econômica é um processo normal, que existe desde que se constituíram os Estados nacionais. Mas ao longo da história, muitas vezes pôde-se observar rivais históricos deixarem suas desavenças de lado para enfrentarem ameaças em comum, como observamos quando Estados Unidos e Rússia cooperaram para combater a pandemia do vírus Ebola, na África, com excelentes resultados.

Não é o que estamos vendo nesse momento. Além de os sistemas de cooperação internacional que poderiam  facilitar os tratamentos e acelerar a descoberta de uma vacina para a Covid-19,  para que o mundo possa retomar sua normalidade, vemos o combate ao novo coronavírus ser envolvido por governantes populistas em uma narrativa de confronto político, que em nada ajuda a busca do objetivo comum.

Entre essas disputas envolvidas em narrativas, está a entre os Estados Unidos e a China, que mais do que trazer prejuízos circunstanciais para o comércio mundial, coloca em xeque as próprias regras que regeram esse comércio até hoje ,e permitiram a globalização econômica,  na medida que a legitimidade de organizações multilaterais como a OMC – Organização Mundial do Comércio, são colocadas em dúvida.

Os organismos multilaterais não são infalíveis.  A própria OMS – Organização Mundial da Saúde, que tem estado no centro das atenções durante a crise do coronavírus, aceitou uma investigação independente sobre suas ações desde o início da pandemia. Mas quando se abre mão delas, se renuncia também a uma instância com credibilidade e autoridade para arbitrar as disputas comerciais entre países com base em regras aceitas por todos.

Sem esses organismos multilaterais de cooperação internacional,  a resolução de disputas comerciais entre países, que acontecem com frequência, dependerá de negociações entre as duas partes, que na falta de um acordo,  podem simplesmente resultar em sanções e mais protecionismo, algo que já será uma tendência natural do mundo pós-pandemia, depois que a crise dos respiradores mostrou os problemas de a China ser a grande fábrica do mundo.

Made in China 2025 é como o gigante asiático pretende se apresentar ao mundo.

Quem observa a geopolítica do mundo nos últimos 20 anos percebe que desde 2009, quando a Crise do Subprime causou uma grave recessão nos Estados Unidos, a China parece ter assumido o papel de locomotiva econômica do mundo, quando inclusive se tornou o principal destino das exportações brasileiras.

Mas a China há muito trabalha para deixar de ser somente a fábrica de manufaturas baratas para marcas de outros países. O gigante asiático tem uma estratégia definida para se tornar a maior economia e o grande poder político e militar do mundo, rivalizando com os Estados Unidos, que ocupam essa posição desde o fim da Segunda Guerra Mundial. E parece ter condições para isso.

A estratégia chinesa de rivalizar abertamente com os Estados Unidos ficou evidente em 2015, com o lançamento do Programa Made in China 2025. O programa conta com cerca de 10 pontos principais, visando alavancar o crescimento tecnológico em setores como semicondutores, engenharia de hardwares e softwares, redes de telecomunicações, automóveis e engenharia genética.

O programa se baseia na atratividade do enorme mercado chinês e na legislação do país, que obriga as empresas estrangeiras que se estabelecerem lá a se associarem às empresas chinesas e na estratégia de privilegiar empresas campeãs nacionais, que hoje competem globalmente, como Huawei (equipamentos de telecomunicação), Baidu (inteligência artificial), e Alibaba (e-commerce), entre outras.

Outro ponto a destacar no Made in China 2025 é que o governo chinês se concentrará na qualidade do crescimento e não na quantidade. Ou seja, o objetivo é o desenvolvimento de alta tecnologia e de produtos com grande valor agregado, resultando na criação de marcas chinesas globais, como já está, de fato, acontecendo.

A reação dos Estados Unidos ao Made in  China 2025.

O Presidente americano define o programa chinês como um roubo de tecnologia que ameaça a segurança nacional e a livre concorrência. A pandemia tem sido usada para intensificar a ofensiva retórica e demonizar a China, havendo, inclusive, autoridades americanas afirmando que hackers chineses estão tentando roubar pesquisas médicas para piratear os estudos científicos que buscam obter a vacina contra o Covid-19.

Essa retorica do governo americano explora politicamente um sentimento anti-China de parte da população do país. Há desde projetos no Senado americano de adotar uma legislação impondo sanções às autoridades chinesas por violação de direitos humanos contra as minorias muçulmanas em Xinjiang, a movimentações da Casa Branca para bloquear os investimentos de fundos de pensão americanos em ações de companhias chinesas.

Saindo do campo doméstico, a Casa Branca pretende incentivar as empresas norte-americanas que estão na China a produzirem nos EUA, principalmente equipamentos eletrônicos e da área médica. E não está sozinha na iniciativa. O Japão, outro país que tem um histórico problemático com a China, ofereceu incentivos para as indústrias japonesas instaladas lá retirarem suas instalações do país, diminuindo a alta dependência em alguns setores de atividades.

 

O dragão mostra suas garras.

Pequim já deu sinais de que não pretende apanhar calada. O governo chinês estuda a possibilidade de anular ou renegociar o acordo comercial com os Estados Unidos, em função das críticas norte-americanas à maneira como país asiático lidou com a pandemia, indicando que a chamada mentalidade chinesa de resultados em relação ao Ocidente, a convicção de que precisam compreender e relevar a hostilidade dos EUA e de outros países tem perdido espaço.

Um exemplo dessa nova política nas relações internacionais aconteceu com a Austrália, outro país cujo governo tem criticado o gigante asiático com frequência. A China desabilitou quatro frigoríficos australianos como fornecedores de carnes, além de proibir à importação de cevada do país. E se engana quem pensa que Pequim quis apenas passar um recado.

A partir de junho de 2020, a China exigirá das operadoras de infraestrutura pública, como empresas de telecomunicações e transporte, que submetam ao governo uma avaliação de segurança de seus fornecedores ao contratar servidores e outros equipamentos de tecnologia da informação (TI). Essa exigência visa evitar interrupções no fornecimento de equipamentos como resultado de eventuais acontecimentos políticos e diplomáticos. Como resultado, companhias estrangeiras poderão ficar de fora dos processos de compras governamentais.

EUA x China, qual deve ser a política governamental e empresarial brasileira

O aumento do protecionismo e da rivalidade China x EUA é uma disputa por poder e influência entre a maior potência econômica, militar e científica do mundo e uma potência ascendente, que mostra ter condições para levar essa rivalidade à frente, como nenhum outro país já demonstrou no passado. Ambos os países, além de manterem relações historicamente boas com o Brasil, são os seus dois maiores parceiros comerciais.

Entretanto, para as empresas e o governo brasileiros, há mais a fazer do que simplesmente ficar de fora da briga dos dois gigantes e lamentar o aumento do protecionismo comercial. O Brasil pode aproveitar as mudanças nas cadeias globais de produção trazidas pelo desejo de segurança e se posicionar como um provedor seguro e confiável. E não somente no mercado de alimentos, onde já somos muito competitivos.

Além do agronegócio, existem outros mercados onde o Brasil pode ser muito competitivo e gerar muitos empregos, como o setor de insumos e equipamentos de saúde e até a indústria farmacêutica. Para isso, há necessidade de definir uma nova política industrial, com a formação de cadeias estratégicas e uma política sanitária que privilegie a segurança alimentar.

Os empresários brasileiros não devem, entretanto, acreditar que um mundo menos globalizado levará a uma economia brasileira mais fechada e protegida. Os desafios do novo modelo de globalização, ou antiglobalização, incluirão severas restrições de formação das cadeias globais de produção e de serviços.

As empresas brasileiras devem se internacionalizar, se preparando tanto para a competição externa pelo mercado brasileiro como para disputar com agressividade, e técnicas avançadas de marketing, os mercados dos nossos principais parceiros comerciais.

Investindo na crise

Fundos de investimento dos países árabes vão às compras na crise do coronavírus

 

A pandemia do coronavírus causou prejuízos no mundo inteiro, e consequentemente, a desvalorização das ações das empresas negociadas em bolsas de valores. Esse é o momento em que os grandes investidores vão às compras, geralmente buscando empresas e mercados que eles acreditam que recuperarão sua lucratividade e valor quando a crise terminar e retomarem suas atividades normais.

Esse é o caso dos fundos soberanos dos países árabes, que estão aproveitando os preços baixos para ir às compras, aumentando sua participação em empresas dos quais já detinham ações e também fazendo negócios de ocasião nas mais variadas áreas como petróleo, turismo, medicina, tecnologia, logística e até mesmo esporte e entretenimento.

Como os fundos soberanos investem na crise do coronavírus

Dizer que crise é outra palavra para oportunidade, ou que ambas são dois lados da mesma moeda é um chavão repetido com frequência, inclusive por investidores. O mais apropriado, entretanto, seria dizer que a crise de um é a oportunidade de outro, mais bem preparado para o momento.

O conceito ainda é válido, mas como a situação atual é diferente de todas as turbulências econômicas anteriores, ele deve ser aplicado com ressalvas para entender a estratégia de aquisição dos fundos de investimento soberanos dos países do Golfo Arábico durante a crise do coronavirus.

Em crises econômicas anteriores, sempre havia países extremamente afetados, que se tornavam cenários de oportunidades para investidores capitalizados, de países em um contexto mais favorável, adquirissem uma parte, ou até mesmo o controle acionário, de empresas com potencial de lucro, mas cujas ações estavam em um momento de baixa.

Esse foi o caso em 2008, quando a chamada Crise do Subprime foi o estopim para o início de uma profunda recessão nos Estados Unidos, que criou oportunidades para que investidores de outros países, como os brasileiros Jorge Paulo LemannMarcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira, da 3G Capital, adquirissem o controle acionário de marcas icônicas como o Burger King e o Ketchup Heinz.

Quando o Brasil entrou em crise, a partir de 2014, setores que antes haviam experimentado uma forte valorização, como o mercado imobiliário, se tornaram um celeiro de oportunidades para investidores estrangeiros. Esse foi o caso do Fundo Brookfield, do Canadá, que entre 2013 e 2018, aportou mais de 27 bilhões de reais em investimentos no Brasil, inclusive em imóveis comerciais.

Porque a crise do coronavírus é diferente.

A crise atual é diferente porque a pandemia atingiu praticamente todos os países do mundo, quase ao mesmo tempo, fazendo com que mesmo os grandes fundos de investimento, mais capitalizados, sejam mais cuidadosos com seus investimentos. No caso dos fundos soberanos dos países árabes, a indústria do petróleo, que é sua grande fonte de recursos, foi severamente afetada, como nunca se viu antes.

Outro ponto é que essa crise terá um timing diferente das anteriores, descritas na teoria dos ciclos econômicos de John Maynard Keynes. A retomada, que levará ao lucro que os investidores esperam, dependerá do timing do vírus. De a ciência desenvolver uma droga eficiente para tratar a doença, descobrir uma vacina contra a Covid-19 e, assim que isso acontecer, de se imunizar populações inteiras em vários países.

Enquanto isso não acontecer, todos terão de se acostumar a um novo normal, que influenciará a maneira como as empresas organizam sua produção, logística, estratégias de marketing e vendas.

Então, por causa de tantos fatores de incerteza, os gestores dos fundos soberanos têm trabalhado com os bancos de investimento à procura de empresas com valores subestimados, para minimizar o tamanho dos investimentos, e consequentemente, os seus riscos.

Vamos analisar os movimentos de alguns dos principais.

 

Public Investment Fund – Arábia Saudita

O Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita , ligado ao SAMA, foi às compras de maneira agressiva, aumentando a participação, ou até adquirindo o controle, de empresas de setores tradicionais, cujo valor despencou por seus negócios dependerem diretamente de aglomeração ou movimentação de pessoas. As empresas são as seguintes:

Petrolíferas

Repsol

Royal Dutch Shell

Equinor

Eni

Turismo, esportes e entretenimento

O turismo, os esportes, os shows e eventos estão entre os setores que mais sofreram com a crise do coronavírus, porque criar aglomerações está na alma e no propósito desses negócios. Foram cancelados ou adiados os principais eventos esportivos do mundo, como todos os torneios de futebol, os Jogos Olímpicos de Tóquio, as turnês dos principais artistas e praticamente todas as viagens de lazer.

Nesse cenário, o Public Investment Fund saudita fez as seguintes aquisições:

Carnival Cruises – Maior operadora de cruzeiros marítimos do mundo. O valor das ações da gigante do turismo caíram mais de 80%. Aproveitando a oportunidade, o Fundo Público Saudita adquiriu 8,2% das ações.

Newcastle United Football Club– Clube da primeira divisão do futebol inglês. O fundo saudita pagou US$ 413 milhões, ou 343 milhões de Euros por 80% das ações, o que torna o PIF sócio majoritário do clube. Segundo a imprensa especializada, o príncipe herdeiro saudita, Mohamed Bin Salman, deverá acompanhar de perto a administração do clube inglês.

Live Nation – o PIF adquiriu entre 5% e 7% das ações da promotora e operadora de eventos que conta em seu portfólio com as turnês de artistas do porte de Madonna, Metallica, U2 e Lady Gaga. Em troca do investimento o fundo saudita investiu Us$ 500 milhões.

 

Por outro lado, o PIF também investiu em empresas cujo valor deve aumentar no mundo pós coronavírus, como assistência médica via telemedicina, tecnologia e logística.

Entretanto, o Public Investment Fund está altamente comprometido, pois além do déficit fiscal, agravado pela queda dos preços do petróleo, investe em uma série de projetos para impulsionar a atividade econômica dentro da própria Arábia Saudita, como o Saudi Vision 2030.

Especialistas avaliam que parte desses projetos pode ser adiada ou suspensa, uma vez que Riad será obrigada a reduzir gastos para manter subsídios diversos e garantir o bem-estar da população afetada pela pandemia.

 

Fundo de Investimento Mubadala – Emirados Árabes Unidos.

O Fundo Mubadala foi mais agressivo, investindo no que acredita serem tendências do futuro, como um peso ainda maior da China na economia global, adquirindo participação, ou aumentando, em empresas daquele país em setores diversos.

Em mercados mais tradicionais, como Estados Unidos e Europa, também investiu em empresas de tecnologia de ponta, como farmacêuticas e medicina.

O Fundo Mubadala começou o ano de 2021 apostando no Brasil, e no setor de refino de petróleo, sendo o vencedor do leilão pela Refinaria Landulpho Alves (Rlam), da Petrobrás, na Bahia. A oferta vencedora do Mubadala foi de US$ 1,65 bilhão de dólares, equivalentes a R$8,87 bilhões em valores da data da aquisição, 8 de fevereiro de 2021

Fundo Soberano do Catar – Qatar Investment Authority

A Autoridade de Investimentos do Qatar, que conta atualmente com recursos de US$320 bilhões, está aumentando sua participação em investimentos na Ásia e América do Norte, e desde 2019 montou uma equipe especializada em participações diretas em empresas de mercados emergentes como a América Latina, África e Ásia.

Fundo de Investimento de Abu Dhabi, EAU – Abu Dhabi Investment Authority (ADIA)

O ADIA, maior fundo de investimentos de Abu Dhabi, com ativos entre US$ 700 a 800 bilhões, em valores atualizados, ainda não se movimentou. Está aguardando os pedidos dos dirigentes dos Emirados Árabes Unidos para suprir as necessidades governamentais, tais como garantir a liquidez a emirados menos ricos.

Entretanto, espera-se que o fundo soberano dos Emirados Árabes ainda faça investimentos, e a razão de não ter feito ainda é estar buscando ativos com preços desvalorizados pelo mundo.

Quais as chances de o Brasil atrair investimentos desses fundos soberanos

Fundos como o Mubadala e o Qatar Investment Authority já tem atuação no nosso país, mas como destino de investimentos, o Brasil envia sinais dúbios.

Por um lado, o Brasil é um país de mais de 200 milhões de habitantes, uma das 10 maiores economias do mundo e muito a se desenvolver, nos mais diversos setores, o que por si só deveria ser uma isca irresistível para os fundos de investimento. Além desse fator, que podemos considerar uma constante, o momento atual é extremamente propício aos investidores capitalizados, pois a cotação Real x Dólar torna o Brasil um investimento barato.

Entretanto, existem os fatores de incerteza que afastam os investidores do Brasil que também são constantes nessa equação, como a insegurança jurídica. A essa falta de um arcabouço legal mais sólido de proteção ao investimento estrangeiro, se soma o fator circunstancial da instabilidade política. Tão importante quanto ter regras claras e amigáveis aos investidores, é preciso ter certeza de que essas regras são constantes e invioláveis.

Como atrair os investimentos dos fundos soberanos.

Muitos fundos de investimento ainda têm uma percepção de risco muito alta em relação ao Brasil, especialmente quando comparado a mercados mais tradicionais, como os países da Europa e América do Norte, ou mesmo o Chile. Falando um português mais claro, esses investidores ainda enxergam no Brasil uma “arapuca”, um destino exótico, onde a possibilidade de lucro depende de um conhecimento sobre leis, práticas e costumes locais que são incompreensíveis para quem é de fora.

Essa percepção é bastante exagerada, pois existem cases de sucesso. O já citado Fundo Brookfield atua no Brasil desde 1899,  tendo sido o responsável pelos primeiros projetos de iluminação pública e transporte coletivo elétricos no país, os famosos bondes. Ha menos tempo no Brasil, mas bastante agressivo em seus investimentos, o Qatar Investment Authority atua nas áreas de transporte aéreo, bancos, agricultura, petróleo, gás, editorial e educativo.

Como o Estado brasileiro pode ajudar a atrair os fundos de investimento

Ao Estado brasileiro cabe garantir a segurança jurídica dos contratos, para que qualquer investimento, estrangeiro ou brasileiro, seja protegido, independentemente de quem seja o governante de turno e de suas inclinações políticas, nas esferas municipal, estadual e federal. Episódios como a cassação da concessão da Linha Amarela no Rio de Janeiro, por exemplo, são um grande desestímulo a quem pensa em investir no Brasil.

Além da proteção do investimento contra arroubos populistas, é importante que os contratos permitam o hedge cambial, protegendo o investimento de grandes variações da cotação da moeda brasileira em relação às estrangeiras.

Quais os setores da economia brasileira mais atraentes para os fundos de investimento

A princípio, qualquer empresa que tenha uma boa possibilidade de rentabilidade pode ser atraente para os investidores árabes, mas eles tradicionalmente têm mostrado uma preferência por projetos de agrobusiness, investimento imobiliários na área de hotéis, resorts e shopping centers e participação em joint ventures na exploração de petróleo e gás.

Como as empresas brasileiras podem atrair os fundos de investimento.

Atrair os fundos soberanos dos países árabes como investidores das empresas brasileiras é um trabalho que envolve pelo menos duas etapas. A primeira é uma auditoria adequada e, com base nos resultados, uma atualização e padronização de procedimentos, que a tornam mais apta a receber investimentos.

A segunda etapa é a prospecção e captação de investidores em si, que dependerá de um trabalho profissional e sério de apresentação e convencimento dos investidores de que o Brasil é sim uma grande oportunidade, ainda mais nesse momento.

Oportunidade pode ser, sim, o reverso da moeda da crise. Cabe aos executivos governamentais  e empresários brasileiros não deixar que ela escape.

Argentina Mercosul

Argentina deixa negociações do Mercosul. O que as empresas brasileiras precisam saber

A Argentina abandonou um dos pilares do Mercosul ao se retirar das negociações para formatar acordos comerciais. Entenda as prováveis razões que levaram nossos vizinhos a essa decisão, os riscos jurídicos e como isso pode influenciar o cenário para as empresas brasileiras que compram e vendem para a Argentina.

A decisão, comunicada unilateralmente pelo governo argentino, informou que o país vizinho não participaria dos tratados que estão em negociação, como os com Canadá, Coreia do Sul, Cingapura, Líbano e Índia. Mas que respeitaria aqueles que já foram firmados, como com a União Europeia e a Associação Europeia de Livre Comércio ( formada por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein).

Os riscos jurídicos da saída Argentina.

Apesar de não significar que a Argentina saiu do Mercosul, como foi erroneamente interpretado, a decisão do nosso vizinho não seguiu nenhum tipo de protocolo ou procedimento previsto nas regras do bloco ou mesmo nas praxes diplomáticas. Ao contrário, por exemplo, do que foi o Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, que precisou de negociações que demoraram anos.

Da mesma maneira que a decisão do governo argentino não seguiu nenhum trâmite previsto, ela deixou em aberto que o país poderia retornar a essas negociações em algum momento no futuro. É nesses dois pontos da decisão do nosso vizinho e segunda economia do Mercosul que reside o risco jurídico.

De acordo com a resolução 32/00 do Conselho do Mercado Comum (CMC) de 2000, com o Protocolo de Ouro Preto, de 1.999, com a decisão 10/92 e a resolução 35/92 do CMC, os países integrantes do bloco só podem firmar acordos comerciais em conjunto, não individualmente. As regras do bloco não preveem uma situação como a que se colocou agora.

Então, caso Brasil, Paraguai e Uruguai queiram negociar acordos sem a Argentina, haverá necessidade de revogar a decisão 32/00 do CMC, além de adotar outras medidas jurídicas, institucionais e operacionais. Do contrário, sempre haverá a possibilidade de esses acordos serem questionados no futuro. Inclusive, pela própria Argentina, caso as circunstâncias mudem.

 

Razões da retirada da Argentina das negociações do Mercosul

 

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores da Argentina o governo de Alberto Fernandez está preocupado com a proteção das empresas, dos empregos e das famílias mais humildes afetadas pela crise do coronavírus, e  isso seria “ diferente das posições de alguns parceiros, que propõem uma aceleração das negociações de acordos de livre comércio”.

Conforme já havíamos previsto em um artigo anterior, a crise da covid-19 seria o estopim de uma tendência mundial de protecionismo econômico. Mas no caso argentino, podemos inferir também que se trata de medida desesperada em reação a uma crise econômica que se arrasta há anos, sem perspectiva de solução. E de um posicionamento político do governo de Fernandez.

A alternância de poder é uma característica das democracias, mas o Mercosul não passou ileso quando os governos dos países membros não estavam do mesmo lado do espectro ideológico, como vimos nos eventos que levaram à suspensão do Paraguai e a entrada da Venezuela, em 2012. Ou à suspensão da mesma Venezuela em 2019, situação que persiste até hoje.

Felizmente, apesar de algumas farpas trocadas anteriormente e do inédito da situação, não aconteceu nada tão grave. Isso mantém as portas abertas para que a Argentina volte a participar normalmente do Mercosul, o que é do interesse de todos, inclusive do Brasil, já que o país vizinho é o maior mercado para os produtos manufaturados da indústria brasileira.

 

O que a Argentina espera ganhar com a retirada dos acordos do Mercosul.

Em um primeiro momento, o que o governo argentino espera é ter a liberdade de aplicar políticas protecionistas que beneficiem sua indústria e mantenham empregos em um momento em que o coronavirus torna mais crítica uma situação que já era difícil.

Essa estratégia tem apelo dentro do complexo jogo político argentino, especialmente entre o eleitorado que conduziu ao poder Alberto Fernandez e Cristina Kirchner, após o governo de Mauricio Macri, que pelo menos no discurso era mais liberal, mas não conseguiu implantar na Argentina as reformas econômicas prometidas.

Contudo, independentemente do seu apelo político, há obstáculos consideráveis na implantação dessa política protecionista. O primeiro é que a Indústria argentina é ainda menos competitiva que a brasileira, e precisa de investimentos. O segundo é que a Argentina não tem recursos para isso, pois decretou moratória técnica e adiou o pagamento de várias de suas dívidas em dólar para 2021. E nada garante que esse novo prazo será honrado.

Então, além de uma política econômica com viés político populista, que empurra com a barriga a resolução dos problemas de competitividade da indústria argentina, qual seria a possível estratégia de Fernandez no longo prazo? A resposta a essa pergunta pode estar na China e no agronegócio.

A Argentina é um grande concorrente do Brasil no Agronegócio, sendo muito competitiva em soja, milho e carnes. E Mais do que isso, tem um acordo com a China em que pode comprar ou vender para o gigante asiático em moeda local, Peso Argentino, ou moeda chinesa, Yuan.

Logo, embora as exportações para a China não possam ser uma fonte de dólares para equilibrar as contas externas da Argentina, podem ser uma maneira de oxigenar seu mercado interno, e até de atrair alguns investimentos chineses.

Como a saída da Argentina dos acordos do Mercosul pode afetar o bloco

O Mercosul é formado atualmente por quatro países: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A Venezuela, que entrou em um contexto político e econômico muito diferente do atual, está suspensa e não há previsão ou certeza de sua volta. Mas como ficaria o bloco sem a Argentina como membro atuante?

A Argentina é um país com uma população de 45 milhões de habitantes e um PIB de aproximadamente 900 bilhões de dólares. Embora o Brasil seja o sócio mais relevante do grupo, é inegável que a Argentina não é um mercado a ser desprezado, e que isso pode diminuir a atratividade de um acordo com o bloco quando se pensa em número de consumidores que podem ser alcançados.

Entretanto, essa visão é mais de longo prazo, já que a prolongada crise econômica argentina diminuía o poder de compra dos consumidores daquele país, e independentemente do governante de turno, as pressões políticas dentro da Argentina para dificultar o acesso de concorrentes estrangeiros ao mercado do país eram constantes e atrasavam essas negociações.

Logo, se Brasil, Uruguai e Paraguai realmente desejarem revisar a TEC (Tarifa Externa Comum), imposta aos produtos de fora do bloco, como têm demonstrado, essa é uma boa oportunidade.

 

Como a saída da Argentina dos acordos do Mercosul pode afetar o Brasil

As relações entre Brasil e Argentina no âmbito do Mercosul nem sempre foram as mais tranquilas, mesmo quando havia uma convergência política entre os governantes de turno. Entre as razões, além da rivalidade histórica entre os dois países, está o protecionismo da indústria argentina, que perdeu competitividade quando comparada à brasileira.

O que não deve mudar entre Brasil e Argentina.

Acordo automotivo

O Brasil tem um acordo automotivo com a Argentina desde 1999, que limita os volumes e valores que os países podem comercializar entre si. Por esse acordo, para cada USD1,5 que o Brasil exporta para a Argentina em veículos, peças e componentes, deve importar USD1,00.

Esse acordo foi prorrogado até 2022, por Jair Bolsonaro pelo lado Brasileiro e Mauricio Macri pelo argentino. Eles definiram  também um programa de longo prazo que permite o intercâmbio comercial de veículos e autopeças livre de impostos a partir de 2029.

Mesmo em sua “nova fase” dificilmente a Argentina se arriscará a quebrar esse acordo, porque o setor automotriz é dominado por empresas  multinacionais com fábricas nos dois países. Caso elas se sintam muito prejudicadas, há o risco de que elas desloquem toda a sua produção para o lado brasileiro.

Riscos comerciais para as empresas brasileiras.

Produtos manufaturados

No presente momento, pouco muda para os exportadores brasileiros de bens manufaturados, porque a prolongada crise econômica argentina limitava a sua capacidade de compra e pagamento de produtos da indústria brasileira. Esse era um mal conhecido e precificado.

O que deve ser observado no médio e longo prazo é a concorrência de produtos chineses, facilitada pelos acordos de uso de moeda local ou Yuan no comércio entre Argentina e China.

Agronegócio

O risco para o agronegócio brasileiro não está no mercado argentino, mas na concorrência dos produtores daquele país, que têm bom preço e qualidade em milho, soja e carnes, e que se sentindo livres dos compromissos dos acordos do Mercosul, podem ser sentir mais estimulados a disputar mercados com os produtores brasileiros.

Em situações normais, o agronegócio brasileiro não tem por que temer qualquer concorrente, porque é competitivo e fundamental para a segurança alimentar de dois dos nossos principais parceiros, China e Países Árabes. Mas foi justamente com esses parceiros que desde 2019 surgiram alguns ruídos diplomáticos que poderiam ter sido evitados.

Esses ruídos podem gerar retaliações justamente nesse setor, tão importante para a nossa economia, com esses parceiros tradicionais abrindo para o agronegócio argentino mercados que o Brasil normalmente domina. Fica o aviso, e esperemos que as consequências não sejam dramáticas como um bom tango.