As oportunidades comerciais que o Brasil perde na América Latina

América Latina é um mercado que o Brasil perde ao abrir mão da liderança regional.

A América Latina se estende da fronteira do México com os Estados Unidos até o Ushuaia, na Argentina, a cidade mais ao extremo sul do planeta. A região tem uma população de quase 500 milhões de habitantes, somados os 422 milhões da América do Sul e 75 milhões da América Central, divididos nos 12 países da América do Sul e 20 da América Central, somadas a parte continental e insular.

Se excluirmos o Brasil, que tem mais de 40% dessa população com 211,75 milhões de habitantes, há um mercado de 285 a 290 milhões de consumidores potenciais, que apesar de terem uma diferença linguística com o Brasil, já que falam Espanhol e nós, brasileiros, o Português, têm grandes semelhanças conosco, por terem sido, em sua maioria, países de colonização ibérica e terem uma grande diversidade étnica e cultural, tendo recebido imigração de todas as partes do mundo.

 

Como o Brasil é o país mais industrializado da América Latina, posição em que é seguido por Argentina, Colômbia e México, e é visto com simpatia na maioria deles, seria de se esperar que não só tivéssemos uma relação comercial estreita e especial com todos eles, como também que o Brasil exercesse sua liderança natural na região, o que estimularia a ainda mais as trocas comerciais entre os países latino americanos.

 

Lamentavelmente, não é o que acontece. Podemos afirmar que o Brasil deliberadamente abriu mão de sua liderança natural na América Latina em questões políticas e de integração econômica, energética e comercial, permitindo que nosso peso político na região diminuísse. Mas para que recuperemos o terreno perdido, é preciso entender o que exatamente está em jogo.

 

Porque o Brasil perdeu influência na América Latina

 

O Brasil rompeu relações com a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribe (CELAC) e pouco fez para impedir que a Argentina se retirasse das negociações do Mercosul. A insegurança jurídica criada por nossos vizinhos com esse ato unilateral e não previsto nos estatutos do Mercosul foi um duro golpe no já combalido bloco, que será ainda mais desmoralizado pela ativação da adesão Argentina ao Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura.

 

A Argentina já havia afirmado a entrada em 2017, mas só agora a efetiva, estreitando ainda mais seus laços com Pequim. O próximo passo seria a adesão de Buenos Aires à Iniciativa do Cinturão e Rota (One Belt, One Road), também chamada de Nova Rota da Seda, que colocaria nosso vizinho, um dos principais destinos de nossas exportações de manufaturas,  definitivamente sob uma esfera de influência comercial chinesa.

 

Essa aproximação da Argentina com a China, no mesmo momento em que o Brasil procura se aproximar dos Estados Unidos pode ser entendida como uma opção comercial, mas também de acomodação na geopolítica mundial, cálculo político interno e talvez afinidade ideológica, em um momento em que ambas as superpotências travam uma disputa pela liderança econômica, científica e política do mundo.

 

O cálculo geopolítico deve ser feito, e as decisões de cada país, respeitadas. Mas não podemos deixar de apontar que países têm interesses de curto, médio e longo prazo, e esses devem estar acima das preferências ideológicas de governos de turno.

 

Relações Brasil América Latina

 

É verdade que no passado muitas tentativas de integração comercial do Brasil com os países latino-americanos descambaram para discursos políticos influenciados por um certo antiamericanismo que pouco geraram de resultados práticos em matéria de comércio internacional. Mas se esse erro foi cometido no passado, não significa que ele deve ser repetido nos dias de hoje.

 

Privilegiar relações com Estados Unidos, China, Índia, Japão, países da Europa outros grandes players da economia mundial não obriga necessariamente que as relações com a América Latina devam ser colocadas em segundo plano. Muito pelo contrário, aliás. Ter boas relações comerciais com nossos vizinhos ajuda a manter a estabilidade econômica e consequente política na região, o que é do interesse do Brasil, como mostrou a recente crise humanitária na Venezuela.

 

Porque exportar para a América Latina

 

O volume das exportações brasileiras para a América Latina em 2019 foi de USD 41 bilhões, 18% do total exportado naquele ano, de aproximadamente USD 225 Bilhões. Mas, tão importante quanto o volume é a qualidade dessa exportação, que é de valor agregado mais alto. No ano anterior, 2018, 39% de todas as exportações brasileiras de bem manufaturados e semimanufaturados tiveram por destino nações latino-americanas e caribenhas.

 

Não é segredo para ninguém que a indústria brasileira há anos vêm perdendo competitividade quando comparada a das principais economias do mundo, na Ásia, Europa e América do Norte, o que acaba limitando muito a pauta exportadora do Brasil para essas regiões, que acaba restrita a comodities. Então, ao colocarmos em segundo plano um mercado que aceita tão bem os produtos brasileiros, arriscamos principalmente as nossas indústrias.

 

As oportunidades de negócios na América Latina

 

As oportunidades na América Latina irão muito além do mercado para os produtos brasileiros, commodities ou manufaturados, e a razão disso são as tendências que se apresentam para o mundo pós pandemia de coronavirus, no que se refere às cadeias de produção globalizadas, que deverão se tornar regionalizadas para que o mundo nunca mais dependa de um só pais produzindo um item essencial, como aconteceu com os respiradores no auge da crise.

 

Para entender como será esse mundo em que a regionalização continental da produção substituirá a globalização em muitas cadeias de valor, leia esse artigo. Mas tão importante quanto entender esse conceito, é saber também que ele só se concretizará, com todos os benefícios que pode trazer para as empresas brasileiras, se o Brasil se prontificar a assumir a liderança regional que seu tamanho e peso econômico impõem.

 

Como recuperar mercado na América Latina

 

Para recuperar o mercado na América Latina e aproveitar as oportunidades da regionalização da produção, já existe um instrumento pronto, a ALADI – Associação Latino Americana de Integração Constituída em 1980, pelo Tratado de Montevidéu e formada por 13 países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Cuba, Equador, Colômbia, México, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.

Um outro ponto que ajudaria as empresas brasileiras a recuperar rapidamente sua participação no mercado latino-americano, especialmente para exportar bens manufaturados, de maior valor agregado é que já existe um sistema de financiamento pronto, o Convênio de Crédito Recíproco (CCR), instituído em 1982 e do qual o Brasil não faz mais parte desde 2019.

É possível fazer com que a ALADI e o CCR assim como o Mercosul, funcionem a favor do Brasil e de todos os seus países membros, com eficiência e transparência, pois ninguém defende uma concessão de financiamentos sem critério. Mas o foco deve ser o de estabelecer o diálogo, e buscar o crescimento do comércio e deixando de lado as questões ideológicas.

como será o mundo em 2030 para o comércio internacional

Como será o mundo em 2030 para o comércio internacional

Como será  mundo em 2030? Hoje, a situação da economia mundial inspira preocupação em função dos efeitos da pandemia de Covid-19. O Brasil, em especial, é motivo de preocupação, já que atravessamos um período de crise desde 2014, e o crescimento mais robusto que parecia estar se apresentando para 2020  foi adiado, fazendo com que a maioria das empresas brasileiras se concentre na sobrevivência de curto e médio prazos, esperando crescer em 2021.

Apesar do cenário de lutar pela sobrevivência no curtíssimo prazo, as empresas realmente vencedoras serão aquelas que se  planejarem para o longo prazo, se preparando não somente para competir no mercado brasileiro, onde podem ter de enfrentar uma concorrência cada vez maior de competidores estrangeiros, como nos diversos mercados internacionais. Em ambos os casos, acreditamos que as que ainda não se internacionalizarem devem fazê-lo o quanto antes.

Existem vários possíveis cenários para o comércio mundial, que podem variar de um aumento do protecionismo à regionalização continental, para evitar a dependência da produção centralizada na China como vimos nas últimas décadas. A única certeza que temos é que o mundo de 2030 será o resultado da disputa acirrada que vemos hoje entre China e Estados Unidos pela liderança política, econômica e científica do planeta.

Prever o futuro continua sendo uma arte ingrata, e nossa bola de cristal funciona tão bem, ou tão mal, quanto todas as outras. Mas existem tendências com grandes chances de se concretizar, que podem ser as grandes oportunidades para as empresas que se prepararem, planejando seus movimentos para elas.

Essas tendências, tanto para o Brasil como para outras regiões do mundo, foram apresentadas em um estudo muito bem elaborado Departamento de Economia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), que agora analisamos.

 

Como será o Brasil em 2030

 

Dizer que o Brasil de 2030 será o resultado das escolhas que fizermos hoje chega a ser de uma ridícula obviedade. Mas o fato é que o Brasil passa por um momento em que as escolhas estão se apresentando. Se elas forem corretas, proporcionarão o aumento da riqueza do país e a consequente melhora do padrão de vida dos brasileiros. Se não forem, perpetuaremos a situação brasileira de ser um eterno país do futuro, com um enorme potencial que jamais se concretiza.

Para indicar quais seriam, na nossa opinião, as escolhas corretas,  analisamos tanto os setores em que o Brasil é competitivo, como aqueles em que precisa se tornar, ou até mesmo, voltar a ser.

Energia limpa, sustentável e renovável.

O resultado dos esforços que se fazem hoje no mundo por sustentabilidade, como por exemplo tornar os carros elétricos mais eficientes e acessíveis, talvez ainda demore para chegar ao Brasil com a mesma força que se apresenta na Europa e Estados Unidos, mantendo esse tipo de veículo como um privilégio para poucos, um nicho de mercado. No Brasil, esse nicho será maior, mas dificilmente deixará de ser um nicho.

Mas isso não significará que não iremos fazer esforços por uma matriz energética que tenha menos impacto ambiental, trocando os combustíveis fósseis, por uma matriz energética mais sustentável que incluirá energias limpas e renováveis como etanol, biodiesel, gás, energia hidrelétrica e solar. Essa matriz energética mundial será muito variada, com cada região aderindo à forma de geração e distribuição mais economicamente viável para a sua realidade e suas vantagens competitivas naturais.

Agronegócio

Motor da economia brasileira há um bom tempo, o agronegócio deve manter essa posição de destaque, mas isso com certeza não significa que poderá deitar sobre louros passados e abrir mão de investir em desenvolvimento tecnológico para manter padrões de sustentabilidade, se mantendo capaz de preservar o meio ambiente e atender à crescente demanda que virá de regiões do mundo cuja população crescerá e se tornará mais rica, consumindo mais alimentos.

Em 2030, veremos a alta tecnologia fazer cada vez mais parte do agronegócio, com a adoção da agricultura de precisão, biotecnologia genômica, nanotecnologia, automação e robótica para digitalização do campo. O consumidor de 2030 pedirá alimentos funcionais, que possam entregar mais do que suas funções nutricionais básicas, contribuindo, por exemplo, para a prevenção de doenças. Ao mesmo tempo, eles terão de ser mais duráveis, com datas de validade estendidas, o que pede embalagens inteligentes.

É importante lembrar que hoje, em 2020, muitos consumidores associam o surgimento da COVID-19 à interferência do ser humano sobre a natureza e à cuidados sanitários insuficientes em relação à produção e manipulação de alimentos. E essa percepção deve perdurar. Então, além do baixo impacto ambiental, o agronegócio em 2030 terá de ter garantias ainda maiores em relação à segurança sanitária.

Setor Industrial

O setor industrial brasileiro terá um desafio duplo para chegar competitivo a 2030. Não somente terá de desenvolver e implantar tecnologias não poluentes e ter rígidos controles ambientais, como terá de investir em qualidade e tecnologia e processos para entregar produtos melhores e de menor custo, para poder disputar o mercado brasileiro, do Mercosul e internacional.

Sem esse investimento em competitividade, a indústria brasileira continuará dependendo de proteção de mercado e acordos comerciais para ser competitiva. E não custa lembrar que estes são arranjos políticos que podem mudar de acordo com as circunstâncias, não vantagens sistêmicas.

Infraestrutura

Mais do que nunca a questão de que o Brasil é um país continental que precisa de uma infraestrutura de acordo está posta. Segundo Cláudio Frichak, presidente da Inter B consultoria de negócios, o custo da logística no Brasil atinge entre 11 a 11,5% do PIB, enquanto nos países em desenvolvimento o máximo é de 8% a 9%, inclusive na Rússia, pais de maior extensão territorial do mundo. Segundo ele, o transporte de cargas por caminhão, que no Brasil chega a ter rotas de milhares de quilômetros, só é rentável até 500 ou 600 kms.

O cenário ideal de 2030 seria o de modais integrados, dando à logística no Brasil o ganho de escala e a flexibilidade que precisa, utilizando em uma mesma rota estradas de ferro navegação, fluvial e de cabotagem, e transporte por caminhão em estradas modernas e seguras. Esse sistema de logística interna seria conectado a um sistema de logística internacional, com portos e aeroportos modernos.  Só assim reduziríamos os custos de importação e exportação para tornar nossa economia mais competitiva como um todo.

Para isso, são condições sine qua non as privatizações e concessões de portos, aeroportos e todas as demais estruturas logísticas que precisem de investimento. É preciso tomar cuidado com o discurso que coloca o Estado como principal agente desses investimentos, pois uma coisa é injetar dinheiro na economia em um momento de emergência, como esse da pandemia. Outra, completamente diferente é achar que o Estado deva ser o investidor e gestor desses investimentos, onde ele já mostrou suas deficiências e limites.

Tecnologia

Finalmente, temos a questão da tecnologia, que nesse momento o item crucial é a internet 5G. Entre os entusiastas da tecnóloga, fala-se não somente de um download/upload de dados muito mais rápido para serviços que temos hoje, mas de toda uma economia baseada na Internet das coisas, que inclui desde casas inteligentes, que detectam vazamentos de água e panes elétricas antes que eles causem danos até carros e drones autônomos, que seriam uma revolução logística.

A própria medicina, que depois da pandemia começou a aceitar melhor a ideia da telemedicina, poderá ter sua própria revolução, com sensores e chips adesivos ligados ao corpo dos pacientes.

A grande questão é se o Brasil vai trazer essa tecnologia dos Estados Unidos ou da China, que é mais um item da disputa entre os dois gigantes pela liderança econômica e política global. E, nessa situação, o Brasil está na incômoda situação de não ter peso político global para influir na disputa, mas ser um mercado grande demais para ser ignorado, o que o coloca sob pressão de ambos os contendores, que são também os dois principais parceiros comerciais do Brasil.

Não temos o conhecimento técnico para indicar qual acordo traria a melhor relação de custo x benefício ao Brasil, e por isso, não vamos opinar. Mas só podemos esperar que ela seja feita levando em conta os melhores interesses do Brasil, deixando em segundo plano as preferências ideológicas. Independentemente de, no curto prazo, as prioridades sejam reativar a economia depois do baque causado pela pandemia, se beneficiará das tendências futuras quem se preparar para elas. Então, a transformação positiva precisa começar já.

 

Como estarão os principais mercados mundiais em 2030

Considerando que as exportações serão essenciais para a recuperação da economia brasileira no curto prazo e para o seu crescimento nos médio e longo prazos, esse estudo também dividiu o mundo em alguns grupos de países nos quais os exportadores brasileiros têm interesse, e que serão fundamentais para o Brasil nos próximos 10 anos. As regiões são América do Norte e Europa Ocidental, América Latina, Oriente Médio, Leste Asiático, Sul e Sudeste Asiático, África Subsaariana,

 

1) América do Norte e Europa Ocidental.

 

Região mais rica e afluente do mundo, deverá manter uma tendência de baixo crescimento populacional, com crescimento da renda per capita, que indica uma maior demanda por serviços e bens de consumo sofisticados.

 

2) América Latina

Olhando a América Latina como um todo, não se apresenta nos países da região a tendência de grandes mudanças macroeconômicas, indicando para os próximos 10 anos uma tendência de baixo crescimento populacional e econômico, o que deverá manter renda per capita estagnada.

3) Oriente Médio

Englobando Arábia Saudita, Bahrein, Catar Chipre, Emirados Árabes Unidos, Iraque, Irã, Israel, Iêmen, Jordânia, Kuwait, Líbano, Palestina, Omã, Síria e Turquia. Essa região apresenta uma tendência de crescimento populacional aumentando a demanda por alimentos;

4) Leste Asiático

Considerando Japão, China, Coreia do Sul, Coreia do Norte, Hong Kong, Taiwan, Mongólia e Macau. Pela presença de tantas economias pujantes como China, Japão e Coréia do Sul, será uma região que experimentará grande crescimento econômico e da renda per capita, e que aumentará a sua participação percentual na riqueza mundial .

5) Sul e Sudeste Asiático

Englobando Bangladesh, Butão, Índia, Maldivas, Nepal, Paquistão, Sri Lanka, Brunei, Canbodja, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Miamar, Singapura, Tailândia, Timor Leste e Vietnã. A região passará por grande crescimento populacional e econômico, com o aumento da renda per capita puxado pela Índia e pela relação com os países mais ricos do Leste Asiático.

 

6) África Subsaariana

Englobando África do Sul, Angola, Benin, Botsuana, Burkina Faso, Burundi, Camarões, Cabo Verde, Chade, Congo, Costa do Marfim, Djibuti, Guiné Equatorial, Eritreia, Etiópia, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Ilhas Comores, Lesoto, Libéria, Madagascar, Ilhas Maurício, Moçambique, Namíbia, Niger, Nigéria, Quênia, República Centro Africana, Ruanda, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Seychelles, Serra Leoa, Somália, Sudão, Suazilândia, Tanzânia, Togo, Uganda, Zâmbia e Zimbábue.

É impossível dizer se as disputas políticas e militares que não raro travavam o desenvolvimento econômico africano e penalizavam sua população diminuirão, mas há indicativos de que a região terá crescimento populacional finalmente acompanhado de taxas mais elevadas de crescimento econômico, com aumento da renda per capita e da demanda por bens de consumo e insumos.

Essas são as macro tendências para o Brasil e o mundo. Estão postas oportunidades e ameaças. Caberá a cada empresa se preparar para saber lidar ou até lucra com elas.

 

 

Brasil-EUA-OMC

OMC – O que você precisa saber sobre a declaração conjunta Brasil-EUA

O Brasil assinou uma declaração conjunta com os Estados Unidos afirmando não haver na Organização Mundial do Comércio – OMC, uma entidade central na governança global, espaço para modelos econômicos diferentes da economia de mercado, criticando países que utilizam políticas e práticas que criam condições de competição desleais, impedem o desenvolvimento e uso de tecnologias inovadoras e minam o funcionamento do comércio internacional

Segundo a declaração, o princípio da Economia de Mercado tem de valer para todos os 164 membros da OMC, para garantir condições de competição econômica saudável no comércio internacional. Embora a declaração não tenha citado especificamente quem não estaria seguindo corretamente os princípios do livre mercado, ficou muito claro que ela tinha um alvo: A China.

Os representantes chineses no Conselho Geral da OMC afirmaram que a OMC não seria o fórum adequado para discutir o que é economia de mercado, sem colocar, entretanto, onde e quando esse debate poderia ser feito. E se estariam dispostos a fazê-lo.

Vários países entre os mais ricos e industrializados, como os 27 da União Europeia , Japão, Coréia do Sul, Noruega, Taiwan. Austrália, Canadá e Suíça, apoiaram o conteúdo do posicionamento brasileiro e americano, de que economia de mercado é um princípio fundamental para a reforma da OMC. A Índia, um país que tem um histórico de rivalidades com a China, foi mais ambíguo, colocando que quem dúvidas deveria procurar o Tribunal de Apelação.

A OMC no contexto da disputa EUA x China

O Tribunal de Apelação da OMC se encontra inoperante, impedindo que a entidade tenha qualquer influência prática na resolução de conflitos comerciais entre os países membros. A razão disso foi justamente os EUA não terem indicado os juízes para esse tribunal, quando dentro de sua reação ao desafio chinês pela liderança mundial, optaram por esvaziar não somente a OMC, mas outras instâncias de negociação multilateral internacional,

A própria Parceria Transpacífica, um acordo comercial que reunia Brunei, Chile, Nova Zelândia, Singapura, Austrália, Canadá, Japão, Vietnã, Malásia, México Peru e os próprios Estados Unidos poderia ter sido uma maneira de conter as práticas antimercado da China. Mas, direcionados por uma política que despreza o multilateralismo, os EUA optaram por se retirar do acordo em 2017.

Os Estados Unidos voltarem a incluir a OMC em seu discurso poderia ser positivo, caso sinalizasse que estariam abandonando a postura unilateralista dos últimos anos e voltando a acreditar nas instituições multilaterais para a resolução de conflitos comerciais. Mas, pelo que deu a entender até agora, trata-se somente de mais uma arena onde foi levada a disputa EUA x China pela liderança global. A conferir.

O que é uma economia de mercado

Em teoria, os critérios para definir o que é uma economia de mercado são relativamente simples: É quando não existe a interferência de um poder centralizador de informações e decisões e planejador, no caso, o Estado, para se definir variáveis como:

  • Determinação de preços
  • Custos
  • Regras de investimento
  • Alocação de capital
  • Financiamentos
  • Divisão do trabalho

O oposto disso seria uma economia em que o Estado centraliza todas as decisões e interfere em cada uma dessas variáveis em prol de um resultado geral que se acredita melhor.

Obviamente esses são os modelos teóricos. Da mesma maneira que não existem na prática economias totalmente livres de alguma regulação ou interferência do Estado, mesmo entre aquelas tidas como as mais liberais do mundo, todas as tentativas de implantar um modelo de Estado centralizador das decisões resultaram em indiscutíveis fracassos, que tiveram um custo muito alto para as populações dos países envolvidos.

Afinal, a China é uma economia de mercado?

Até que ponto , e quando,  o Estado pode interferir na economia de um país e este continuar a ser uma economia de mercado é algo que os economistas discutem desde sempre e não chegaram, ou chegarão, a um consenso, porque a Economia lida com números, mas nem sempre é uma ciência exata.

Sob esse pressuposto, se a China é ou não uma economia de mercado, poder-se-ia argumentar que com certeza não, já que existem acusações de que Pequim atua para favorecer as empresas chinesas com práticas desleais na competição externa, como dumping, subsídios diretos e dificultando ou impedindo o acesso de competidores estrangeiros ao seu enorme mercado interno.

Por outro lado, é inegável que a China fez progressos no caminho de assumir características de uma economia de mercado, como por exemplo, ter implementado uma legislação de proteção à propriedade intelectual. E que seriam passos dados de maneira cautelosa e segura, para que uma economia que 50 anos atrás tinha características socialistas se mova para um modelo diferente. Qual será esse modelo é mais uma das grandes perguntas do século XXI.

Se formos analisar a questão usando uma lente mais ampla, não se pode esquecer que países que apoiaram o conteúdo da declaração, como os da Europa, e os próprios EUA, subsidiam pesadamente sua agricultura. E que um dos maiores prejudicados é justamente o Brasil, que tem a agricultura mais competitiva do mundo em muitos produtos.

Mas, analisando ainda por um outro ângulo a questão nós, brasileiros, sabemos  que precisamos diminuir o chamado custo Brasil e investir muito em tecnologia, educação e capacitação de nossa mão de obra, para sermos mais competitivos nos mercados mundiais de produtos manufaturados. Mas enquanto isso não acontecer, esse será o motivo (ou pretexto?) para também termos uma economia mais fechada.

Em resumo, o arcabouço teórico do que é uma economia de mercado é simples. Mas sua aplicação para analisar a realidade é um tanto mais complexa.

A única certeza que se pode ter é reafirmar que a melhor maneira de resolver controvérsias é a negociação. E com os seus problemas e vantagens, organismos multilaterais como a OMC são fóruns adequados para isso. E nenhum país enriqueceu, ou melhorou a vida de sua população no longo prazo se fechando para o comércio.

Os riscos envolvidos na posição brasileira na OMC.

A última vez em que o Brasil tocou nessa questão foi em 2004, durante a visita à China do então presidente Lula que declarou na época que a China era uma economia de mercado. Mas desde então, não se avançou nessa discussão em matéria de qualquer tipo de posicionamento do governo brasileiro.

O que mudou desde 2004 não foi somente o posicionamento ideológico do governo brasileiro, embora devamos sempre reiterar que os interesses do país devem estar acima da ideologia do governo de turno. O contexto atual é da disputa cada vez mais aberta entre a China, que se coloca como candidata séria ao posto de maior potência econômica, científica, militar e política do mundo e o atual dono dessa posição, os Estados Unidos.

O desafio chinês à posição americana está longe de ser uma novidade. Já tinha se colocado pelo menos desde 2008, quando a crise do subprime atingiu a economia americana e colocou em evidência a China como locomotiva econômica do mundo. E estudiosos de História e Economia já colocam sua provável ascensão e um declínio relativo da posição americana como uma possibilidade.

Para entender o que significa declínio relativo, devemos entender o conceito colocado pelo historiador britânico Paul Kennedy no brilhante Ascensão e Queda das Grandes Potências. Não significa que os Estados Unidos se tornarão menos ricos e desenvolvidos cientificamente, ou poderosos militarmente. Significa que outro país poderá rivalizar com eles nesse sentido, e na capacidade de projetar esse poder para além de suas fronteiras.

O que é diferente no contexto atual é a maneira que os Estados Unidos têm reagido a essa situação. Ao contrário de administrações anteriores, que procuraram uma coexistência mais tranquila com a China, a atual tem apostado em uma retórica mais agressiva e em ações contra empresas chinesas, como a Huwaei , e até empresas e fundos de investimento americanos que investem na China.

Nesse contexto, de qual lado o Brasil deveria se posicionar? A resposta é do lado do Brasil, das empresas e dos empregos brasileiros, tomando cuidado com as posições favoráveis aos EUA, ou a qualquer outro país, sem receber as contrapartidas devidas. A China é o principal parceiro comercial do Brasil, com os chineses absorvendo quase 40% do mercado internacional do agronegócio brasileiro e em culturas específicas, como a da soja 72% das exportações brasileiras.

A disputa China Vs. EUA é uma luta entre dois contendores peso-pesado no campo científico, militar e econômico, onde o Brasil, apesar de ser uma das 10 maiores economias do mundo, é no máximo um peso médio. Como observou muito bem o vice-presidente da República, General Hamilton Mourão, o Brasil precisa saber jogar o jogo.